Anatel faz lobby para regular big techs e estuda criar estrutura contra fake news

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) tem trabalhado junto ao Congresso para convencê-lo de que tem condições de assumir a atribuição de regular as redes sociais e fiscalizar as big techs.
O lobby da agência tem, inclusive, uma proposta embrionária de criação de uma “superintendência de serviços e direitos digitais”, responsável por combater a desinformação e os discursos odiosos e antidemocráticos.
A articulação se dá em meio à resistência dos parlamentares quanto à definição de uma figura responsável por fiscalizar a moderação de conteúdo no PL das Fake News.
A reportagem teve acesso a uma apresentação feita pela Anatel que tem sido utilizada na tentativa de convencer parlamentares e pessoas do setor de que a empresa é a escolha certa para ser reguladora.
Nela, há inclusive uma proposta de organograma da nova superintendência que seria criada para esse fim.
Em nota, a Anatel afirmou que desde 2019 contrata consultores para atualizar o plano estratégico e se reposicionar no mercado, no qual foram identificadas necessidades relacionadas à regulação do ecossistema digital.
“A Anatel regulamentou a mudança de paradigma das comunicações brasileiras, do analógico para o digital […]. Assim, a agência se considera apta para esse debate [do PL das Fake News]se o Parlamento entender que é necessário um órgão do Estado para regular e fiscalizar tais atividades”, afirmou.
O impasse em torno da agência reguladora levou o relator do texto, Orlando Silva (PC do B-SP), a inicialmente deixar de fora de seu parecer a menção à possibilidade de o Executivo criar uma entidade fiscalizadora autônoma.
Depois, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo após o adiamento da votação do projeto, ele passou a defender que a Anatel, apesar de não ser sua escolha ideal, seria a forma mais segura de realizar a tarefa.
Representantes e o próprio presidente da Anatel, Carlos Baigorri, têm rodado as bancadas para tentar convencer os deputados de que a agência pode fiscalizar as plataformas.
“A inclusão de atribuições relacionadas à regulamentação das informações veiculadas pelas plataformas poderá ser absorvida organicamente pelo organograma” do órgão, indica a apresentação distribuída aos parlamentares.
A Anatel diz que nem precisaria de novas contratações para realizar a tarefa, apenas a recomposição de um déficit de 402 servidores em seu quadro de funcionários. A agência afirma ter um “concurso em desenvolvimento”, voltado para essa área, mesmo sem ter recebido formalmente a atribuição.
De acordo com o organograma proposto, seria criada uma nova “fiscalização de serviços e direitos digitais”, que ficaria encarregada de promover “a liberdade de expressão e o combate à desinformação, ao discurso de ódio e à antidemocracia”.
Sob o guarda-chuva da fiscalização estariam três gestões: liberdade de expressão e acesso à informação; responsabilidade social da plataforma e transparência algorítmica.
Além disso, afirma que as novas competências estão voltadas para o usuário de plataformas digitais, capacitando a sociedade no uso de ferramentas para garantia de direitos fundamentais, educação para o consumo e proteção contra arbitrariedades.
O lobby da Anatel, no entanto, tem encontrado pouco apoio nas bancadas e entre plataformas, por motivos diversos.
No caso dos parlamentares, pesa contra a agência a má imagem que parte dos consumidores tem em relação à fiscalização dos serviços prestados pelas operadoras de telecomunicações.
Com ressalvas, eles argumentam que, caso a Anatel receba denúncias por não cumprir satisfatoriamente suas atribuições atuais, seria difícil conciliar as funções com a regulamentação das plataformas digitais.
Na avaliação do setor, há duas faces: de um lado, eles reclamam de conflito de interesses, pelo fato de a agência também regularizar a atividade de empresas provedoras de internet.
Por outro lado, existe a visão de que uma entidade definida é melhor que um vácuo, e que as big techs teriam estrutura suficiente para conseguir um bom relacionamento e influência com a empresa.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em 28 de abril, antes do adiamento da votação do PL das Fake News —quando a proposta não previa como seria regulamentado o assunto—, o diretor do Google no Brasil, Marcelo Lacerda, afirmou que uma redação vaga daria ao governo mais espaço para influência.
“O que precisamos é de uma definição, uma autoridade baseada em alguns princípios, independência, conhecimento técnico, estar sob escrutínio judicial e ter a participação do setor”, disse, quando questionado sobre como funciona a atuação de um órgão fiscalizador — e não especificamente sobre Anatel.
As partes também destacam um ponto adicional de preocupação: a possível interferência do governo na decisão de remover o conteúdo.
A sociedade civil e segmentos da esquerda criticam a agência por supostamente ser suscetível à influência de grandes conglomerados.
“Ela [a Anatel] não tem desempenhado bem as funções que já desempenha e isso pode sobrecarregar ainda mais a organização”, diz Laura Moraes, diretora de campanhas da Avaaz. “Para funcionar como um regulador decente para a mídia social, a Anatel precisaria de algumas mudanças sérias, como trabalhar em estreita colaboração com o CGI [Comitê Gestor da Internet]criando cada vez mais mecanismos de transparência e participação da sociedade civil”, acrescenta.
“Sua vocação para atender às necessidades do mercado precisaria se transformar em um profundo compromisso de defesa da liberdade de expressão e da democracia.”
Em nota, a Anatel afirmou que o novo concurso seria para “contratar profissionais com perfil complementar ao atual” e que “existe uma tendência verificada no cenário internacional de que o regulador de telecomunicações incorpore competências para disciplinar também os mercados digitais ”.
A agência se propõe a utilizar seu serviço de atendimento também para questões relacionadas à regulação da rede.
Embora o lobby da Anatel por novas atribuições tenha se intensificado agora, ele começou antes mesmo de surgirem as discussões sobre o PL das Fake News.
Um projeto apresentado no final do ano passado pelo deputado João Maia (PL-RN) tentou ampliar as atribuições da agência e levou seu presidente, Carlos Baigorri, a defender publicamente a ampliação da operação.