Rita Lee foi uma das artistas mais censuradas durante a ditadura militar no Brasil, segundo a pesquisadora Norma Lima, doutora em letras e professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Nas minhas pesquisas, verifiquei isso, encontrei várias letras dela que foram censuradas e é uma censura de costumes, não é só política”.
Prova disso é que o artista foi monitorado mesmo após o período de repressão no país. “Quando acabou a ditadura, ela foi censurada em um disco de 1988 que é Pega Rapaz, a letra foi censurada: de “frente e verso eu te amo cada vez mais”, lembrou ela. Rita Lee morreu na noite de segunda-feira, aos 75 anos.
Entre os casos de vetos a costumes e que trazem à tona questões de sexualidade, Norma Lima destacou Lance Perfume e Cor-de-rosa choque. “Mas ela também tinha letras que criticavam os políticos, como Arrombou o vault, que era uma faixa arranhada [o disco era vendido com a faixa riscada]e ela falou de corrupção no Brasil, de escândalos, isso foi denunciado por ela nessa música.”
“O fato de ela ser mulher já a torna uma perseguida dentro do patriarcado. E uma mulher ousada, só foi presa porque foi ousada, porque quebrou. Se você olhar o comportamento da mulher nos anos 60, compare com a Rita, ela não ficava numa caixa. Ela falava o que pensava, uma pessoa inteligente, que sabia se expressar, e ela sofria muita perseguição por causa disso.”
Rita Lee foi muitas vezes definida por estereótipos relacionados às drogas, embora tenha uma carreira e atuação relevantes, uma figura de vanguarda em diversos assuntos. Segundo a pesquisadora, o primeiro beijo gay na TV aberta foi destaque em um clipe de Rita Lee, em “Obrigado não”, do programa Fantástico, da Rede Globo. A música aborda diversos assuntos considerados tabus até hoje.
A pesquisadora citou a música Ambição como representativa da artista e de sua carreira. “Tem alguns versos no final em que ela diz: “Quero matar minha vontade enquanto tenho saúde e velhice, fazer um pouco de tudo, vender minha alma para comprar meu mundo”. Ela é uma pessoa que criou o mundo dela, mas é um mundo extenso com tanta gente.”
“Acho que ela mudou muito, ela se transformou mesmo. Ela era uma pessoa inquieta, não era uma pessoa confortável, queria outro mundo, outra realidade”, acrescentou. Norma também acredita que Rita Lee modernizou a música brasileira e que ela trouxe várias contribuições. “Ela apresentou o Brasil de uma forma muito futurista. A mensagem da Rita não é datada, é de todos os tempos”.
“Na época dos Mutantes, ela era a colorida, a graça do grupo. Quando ela foi cantar com o Tutti Frutti, ela pegou a letra em inglês e deu uma qualidade muito alta, em português, tinham mensagens. Depois me parece que ela abriu caminho para as cantoras, ela foi uma mulher ousada nos anos 70 dentro da repressão, como uma mulher que realmente abriu caminho para quem veio depois”, disse a pesquisadora.