Foto ilustrativa. Foto: Pedro França/Agência Senado
A previsão de imunidade parlamentar no Projeto de Lei das Fake News pode dificultar ainda mais o combate à desinformação nas redes sociais, dizem especialistas.
De maneira geral, apontam que o STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos anos relativizou o alcance desse direito, o que pode minimizar os danos causados pela medida.
Alguns estudiosos, porém, consideram que a previsão pode levar à inércia nas tribunas em relação aos parlamentares e servir de argumento no Judiciário para disseminadores de mentiras com assento no Congresso.
Conhecido como PL das Fake News, o projeto foi aprovado com urgência na Câmara na terça-feira (25). Com isso, não precisará passar por comissões e, se aprovado em plenário, segue para o Senado.
O projeto de lei diz que a imunidade parlamentar “estende-se a conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas por provedores de redes sociais e mensagens privadas”.
O texto faz referência ao artigo 53 da Constituição, que dispõe que “os deputados e senadores são invioláveis, civil e criminalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
O projeto lista como “contas de interesse público” as de presidentes, governadores, prefeitos, parlamentares de todas as esferas, ministros, secretários estaduais e municipais e dirigentes de entidades da administração indireta, como autarquias.
Os titulares dessas contas não poderão restringir o alcance de suas postagens bloqueando críticas, por exemplo.
Mas poderão entrar com ação judicial em caso de “decisões de provedores que configurem intervenção ativa ilícita ou abusiva” e, nesses casos, o Judiciário pode obrigar as plataformas a restaurar contas em até 24 horas.
“É muito preocupante porque aumenta o poder de quem está no poder e diminui o de quem está sob sua tutela”, diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha.
Ele lembra a decisão de plataformas como o Twitter de suspender a conta do então presidente americano Donald Trump, ainda no cargo, sob risco de incitar a violência, na sequência da invasão do Capitólio.
No Brasil, diz ele, as plataformas seriam inibidas de tomar medidas semelhantes tendo em vista o que está previsto na proposta.
A disseminação de desinformação por parte de agentes políticos ganhou ainda mais relevância após os atentados golpistas de 8 de janeiro, quando contas de bolsonaristas como Carla Zambelli (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) foram suspensas por ordem do ministro Alexandre de Moraes do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
A suspensão decorreu de entendimento consolidado pelo STF, segundo o qual a imunidade parlamentar não é absoluta. Aplicava-se apenas a discursos relacionados ao mandato – não incluiria ataques à integridade das eleições, por exemplo.
Bia Barbosa, integrante do coletivo DiraCom – Direito à Comunicação, acredita que, da forma como está redigido, o artigo não impede a atuação das plataformas, mas pode ser usado como argumento em ações judiciais.
Ela também faz parte da Coalizão de Direitos na Rede, uma das cem organizações da sociedade civil que assinam documento que defende a regulamentação das plataformas, mas faz ressalvas sobre alguns pontos do projeto.
Reunidas na Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD), as entidades são contra a suspensão de contas dos titulares de mandatos por decisão das plataformas, mas defendem que as suas publicações devem estar sujeitas às mesmas regras de moderação de conteúdos de todos os utilizadores.
Em outra nota sobre o projeto, pesquisadores do grupo de pesquisa Democracia Constitucional, Novos Autoritarismos e Constitucionalismo Digital, do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão), sugerem modificar a redação do parágrafo do PL sobre imunidade.
Propõem um aditamento para que o texto passe a dizer que “a imunidade parlamentar material, quando exercida nos limites do Estado Democrático de Direito, se estende às plataformas mantidas por provedores de aplicativos de redes sociais”.
Para um dos signatários, o advogado Ilton Norberto Robl Filho, o Judiciário deve continuar aplicando seu entendimento independentemente da nova lei, mas a redação atual pode deixar lacunas.
Autora de “Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital” (ed. Fórum, 2022), a advogada Luna Van Brussel considera que o único cenário em que o artigo do projeto de lei garantiria maior proteção aos parlamentares do que aos demais usuários seria se o discurso foi protegido pela imunidade parlamentar, mas violou os termos de uso das plataformas.
Ainda assim, pondera, algo protegido pela imunidade parlamentar dificilmente violaria os termos de uso.
Em recente entrevista à GloboNews, o relator do PL, Orlando Silva (PC do B-SP), defendeu o dispositivo, afirmando que a imunidade parlamentar é uma conquista democrática e que, em caso de crime, o Judiciário pode ser acionado.
Professor da USP, especialista em direito digital e sócio do escritório Opice Blum, Juliano Maranhão aponta que a previsão do tema na lei é reveladora do contexto de desinformação no Brasil.
Não é apenas a imunidade parlamentar que é controversa. Na concessão à bancada evangélica, o relator incluiu o aval à “exposição plena” de dogmas e livros sagrados, bem como à livre expressão de cultos.
Outro ponto que causa divergências é a remuneração das plataformas por conteúdo jornalístico em um sistema de negociação semelhante ao previsto na Austrália.
As plataformas se opõem à ideia e há discordância entre os veículos. Entidades como Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional dos Jornais), que reúne os principais veículos de comunicação, inclusive a Folha, defendem o PL; Veículos menores temem perder financiamento porque têm menos poder de barganha.
ANGELA PINHO
FOLHAPRESS