Brasil pode mediar um acordo de paz quando os países se cansarem da guerra, diz Amorim

Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa / Foto: Tomaz Silva (Ag.Brasil)
O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, Celso Amorim, propôs ao presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, o início de um processo diplomático denominado “negociações de proximidade”, antes mesmo que a Rússia desocupasse os territórios que capturou durante a guerra.
Nesse modelo, dois países em conflito se encontram em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados com nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos, ideias e preparando-se para o contato direto.
Zelenski deixou claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como pré-condição a desocupação dos territórios ucranianos, e reforçou essa posição nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira, 10.
Mesmo assim, o ex-chanceler estava otimista. “Ele ouviu”, disse ele ao relatório, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.
PERGUNTA – Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia?
CELSO AMORIM – O objetivo era criar confiança, mantendo o diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.
Zelensky aventou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é a posição do Brasil a esse respeito?
CA – Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles dirão que as populações russas no leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Entendo a posição dos ucranianos, eles naturalmente querem mostrar como foram vítimas de agressões, mas não quero parar por aí.
Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado “negociações de proximidade”, mencionado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações semelhantes [Pickering foi embaixador dos EUA na ONU e citou a abordagem que envolve países terceiros em artigo na revista Foreign Affairs].
O terceiro país seria o Brasil ou a China?
CA – A China é um país que tem muita influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, pelas suas características. Basta ver a importância que a mídia internacional dá ao posicionamento do Brasil.
Em um tweet após o encontro com você, Zelensky afirmou que “o único plano capaz de impedir a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia”. Ou seja, continua a rejeitar a ideia de negociar antes que a Rússia desocupa os territórios ucranianos.
CA – Ele vai falar assim, da mesma forma que os russos dizem que não é o melhor momento para negociar. Mas não podemos desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o prejuízo causado pela guerra será maior do que o prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já existam países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape por entre os dedos. Acho que esse pode ser o papel do Brasil.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse: “Se a Rússia parar de lutar, a guerra acabou. Se a Ucrânia parar de lutar, a Ucrânia acaba”, aludindo à possibilidade de Moscou ficar com os territórios capturados. Como você vê essa afirmação?
CA – Temos conversado com os americanos também, conhecemos algumas de suas preocupações. Mas as situações econômicas e políticas estão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho tudo isso muito retórico. Chegará o tempo em que os países terão de escolher entre a paz e a vitória; a vitória também não chegará claramente.
Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente se cansará, por razões econômicas e políticas, de ajudar a Ucrânia, e assim os russos vencerão o conflito.
CA – Até pode haver cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil dizer. Ninguém vai levar tudo o que eles querem. Então, qual será a concessão fundamental?
Como você vê a proposta de Zelenskiy para uma cúpula Ucrânia-América Latina?
CA – Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.
Ainda que diga que a única forma de deter a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica a desocupação dos territórios?
CA – Eu não esperava que ele dissesse mais nada. Não fui lá para dizer que essa proposta aqui está certa ou errada. Também conversei com Putin por uma hora. Não temos uma tese, apenas queremos tornar o diálogo o mais próximo possível, talvez inicialmente de forma indireta. Não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.
Zelenski encarou de bom grado o Brasil como mediador?
CA – Ele ouviu. A gente tem que ficar conversando, conversando, até que surja uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e depois alargar a negociação.
Eles o levaram para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)?
CA – Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente, somos contra atrocidades e assassinatos onde quer que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não é possível tirar conclusões completamente, são fotos.
Quais são os próximos passos?
CA – Continue falando. Essa visita foi um passo importante que precisava ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não A ou B.
Zelenski convidou Lula para ir à Ucrânia. Existe um plano para a viagem?
CA – Não discuti isso com o presidente.
E há um convite da Rússia para o final de junho.
CA – Tudo isso será avaliado.