No filme “O Poderoso Chefão 2”, Michael Corleone sai de um reluzente Ford Fairlane e caminha em direção à casa do gangster Hyman Roth em Miami. Lá dentro é uma cena de aparente felicidade, um contraste com o mundo do crime. Roth está assistindo a um jogo de futebol enquanto sua esposa faz um sanduíche.
Com comentários esportivos audíveis ao fundo, Roth diz a Corleone que gosta de futebol e beisebol.
“Adoro beisebol desde que Arnold Rothstein organizou a World Series em 1919”, diz ele, citando um famoso escândalo de manipulação de resultados na Liga Principal de Beisebol. Os dois homens riem.
O esporte atrai criminosos há décadas. De pequenos infratores a grandes organizações em várias partes do mundo, como aponta o relatório “Integrity in Sport” da Interpol. O documento é divulgado quinzenalmente pela organização policial internacional, com as maiores investigações sobre corrupção no esporte.
Na edição mais recente, publicada nesta terça-feira (16), o Brasil foi citado pelo avanço da operação Penalidade Máxima, que apura casos de manipulação de jogos do futebol brasileiro por grupos de apostadores, problema que está longe de ser exclusividade do país.
Em 2022, o futebol mundial registrou aumento de 34% no número de jogos com suspeita de manipulação segundo dados do Sportradar. No total, a empresa especializada em serviços de integridade mapeou 850 mil partidas e encontrou 1.212 delas suspeitas, de 12 esportes diferentes, em 92 países.
O futebol lidera a lista, com 775 jogos sob investigação, e o Brasil aparece com mais eventos suspeitos, com 152 casos no país, 12% do total global. A Rússia vem em segundo lugar com 92.
Em quinto lugar na lista, com 41 casos, a China também é citada no relatório da Interpol. De acordo com o oficial, o jogador sul-coreano Son Jun-ho, do Shandong Taishan, está sob investigação por acusações de manipulação de resultados.
Pelo mesmo motivo, o companheiro de equipe de Son, Jin Jingdao, meio-campista de ascendência coreana que disputou 18 partidas pela seleção chinesa, teria sido levado sob custódia pela polícia em março.
Ainda em território chinês, o problema não se restringe ao futebol. Desde o início deste ano, dez jogadores profissionais de sinuca foram suspensos sob a acusação de participação em esquemas de jogos de azar.
Em Hong Kong, a agência anticorrupção prendeu no início deste mês 23 pessoas, incluindo 11 atletas, como parte de uma investigação de manipulação de resultados.
Na Nigéria, o clube Wikki Tourists iniciou uma investigação sobre jogadores de seu próprio time envolvidos em um escândalo de manipulação de resultados.
Nos Estados Unidos, o técnico Brad Bohannon foi demitido do time de beisebol da Universidade do Alabama após denúncias de apostas suspeitas envolvendo seu time.
Cada uma dessas investigações reforça a globalidade do problema das apostas e a necessidade de cooperação internacional para desarticular as gangues, diz o pesquisador Felipe Marchetti, que estuda manipulação de resultados e integridade no esporte.
“Para o crime organizado internacional, é muito fácil se deslocar de um país para outro. Se não houver troca de informações, uma troca rápida e constante de inteligência, é muito fácil burlar os sistemas de prevenção”, diz o pesquisador. “Na Uefa (União das Associações Europeias de Futebol), por exemplo, existe cooperação tanto entre governos quanto entre federações esportivas para que esse tipo de inteligência seja rápida e eficiente.”
A FIFA (Federação Internacional de Futebol) tentou algo parecido. Em maio de 2011, a entidade e a Interpol assinaram um acordo de dez anos para combater esse tipo de crime.
Em 2013, houve o principal resultado dessa parceria, com a operação Soccer Gambling, responsável pelo fechamento de cerca de mil casas de apostas ilegais e pela prisão de mais de 7.000 pessoas suspeitas de participar da manipulação de 380 partidas de futebol ao redor do mundo.
Após a revelação de casos de corrupção envolvendo os próprios chapéus da FIFA em 2015, a Interpol afirmou que não poderia manter a parceria com uma entidade que não estivesse alinhada com seus princípios éticos.
Mesmo com o fim do acordo, a Interpol continuou a perseguir as máfias. Em novembro de 2022, teve início a nona etapa de sua operação futebolística, com o objetivo de acompanhar os jogos da Copa do Mundo no Catar.
Segundo dados da polícia, 19 países participaram do esforço global coordenado, que resultou na prisão de 1.200 pessoas.
Juntas, as nove etapas da operação resultaram em 20 mil prisões, apreensões de US$ 64 milhões (R$ 320 milhões, na atual conversão) em espécie e o fechamento de cerca de 4 mil casas de jogo ilegais, que movimentaram mais de US$ 7, 3 bilhões (R$ 36,5 bilhões) em apostas.
Segundo Marchetti, parte da dificuldade enfrentada pelas autoridades no combate e eliminação das máfias do jogo está ligada à estrutura desses grupos, em geral, semelhantes às redes do crime organizado, e também, não por acaso, diretamente ligados a elas.
Assim, o sistema funcionaria da seguinte forma: as organizações criminosas entram em contato com grupos especializados, conhecidos como sindicatos de viciação de resultados. Esses grupos, formados por pessoas com boa circulação no mundo esportivo, corrompem agentes do mundo do futebol para promover as combinações definidas pelos apostadores.
Em casos mais complexos, como o da organização revelada pelo Ministério Público de São Paulo em 2016, na Operação Game Over, as quadrilhas adotam métodos típicos do crime organizado, como divisão de funções, compartimentalização, intenção de lucro, hierarquização e divisão de funções nacionais e tarefas internacionais. internacional.
A pirâmide torna mais difícil para as autoridades combater os chefes das máfias do jogo, diz Marchetti. “A melhor forma de combater esse crime é com a troca de informações e inteligência. Sem isso vai ser igual ao narcotráfico, só vai mudar o atleta, só o moleque que está preso, mas o sistema vai ser o mesmo.”
“Não adianta pensar apenas no aspecto punitivo se não pensar no aspecto estrutural”, argumenta o pesquisador.
LUCIANO TRINDADE – FOLHAPRESS