Em audiência pública nesta quinta-feira, 27, a ex-ministra e agora senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e seu colega Eduardo Girão (Novo-CE) tentaram entregar um feto falso ao atual ministro Silvio Almeida, que recusou em nome da filha e rebateu o que chamou de “performance” e “escárnio”.
A sessão ocorreu na Comissão de Direitos Humanos do Senado. Damares afirmou ainda que tem pena do ministro e que “espera que dê certo”, acrescentando que comete “erros por falta de informação”. Ela deixou a reunião antes do fim.
O ministro foi mais de uma vez aplaudido pelos presentes, inclusive quando recusou o feto e quando criticou a ditadura militar.
“Vou deixar você com um bebê de 12 semanas. Se puder levar com carinho e entendermos que era isso que queríamos fazer, esse bebezinho aqui terá direitos garantidos”, disse Damares Alves, antes que seu colega Girão se levantasse para entregar o falso feto ao ministro.
“Em nome da minha filha ainda não nascida, eu me recuso a receber [o feto de plástico]”, rebateu Silvio Almeida.
“Não quero receber isso, porque agora vou ser pai e sei muito bem o que isso significa. Isso para mim é uma atuação que repudio profundamente. Com todo respeito, [isso] é uma exploração inadmissível de um problema gravíssimo que temos no país”, acrescentou.
Quando ministra, Damares agiu para impedir que uma menina de dez anos, que engravidou após ser estuprada, fizesse um aborto.
A operação coordenada pelo ministro visava a transferência da criança de São Mateus (ES), onde ela morava, para um hospital em Jacareí (SP), onde aguardaria a evolução da gravidez e teria o bebê, apesar do risco para a vida da menina.
Para isso, Damares enviou à cidade capixaba representantes do ministério e aliados políticos que tentaram adiar a interrupção da gravidez e, em uma série de reuniões, pressionaram os responsáveis pela condução dos procedimentos, inclusive oferecendo melhorias para conselho tutelar local.
A própria Damares participou de pelo menos um desses encontros por videochamada, como mostram as fotos obtidas à época pela Folha.
Pessoas envolvidas no processo também afirmam que representantes do ministro seriam os responsáveis por vazar o nome da criança para a ativista Sara Giromini, que divulgou nas redes sociais.
A denúncia da menina fere o Estatuto da Criança e do Adolescente e tornou a família da vítima alvo de ameaças e pressões.
O caso veio à tona no dia 7 de agosto de 2020, quando foi revelado que a menina engravidou após quatro anos de estupro recorrente por um tio não consanguíneo.
Durante a audiência no Senado, antes da confusão, Damares Alves falou criticando a gestão de Silvio à frente da pasta e a saída do Brasil do Consenso de Genebra, aliança de países conservadores em defesa da família tradicional e contra o aborto.
Em tom irônico, o ex-titular da pasta também afirmou ter “compaixão” pelo atual ministro, disse que ele “está começando” no cargo e espera que ele consiga.
“Acho que os assessores dele não estão dando informações precisas para ele, e isso é muito perigoso para um gestor, porque pode até levar a processos judiciais. Portanto, cuidado com as declarações”, disse o ex-ministro.
“Na hora de falar, pegue os dados corretos que estão nos relatórios, não deixe seu orientador te enganar […] você comete alguns erros, talvez por falta de informação”, acrescentou.
Silvio Almeida defendeu seus assessores e disse que a informação é corroborada por decisões do Supremo Tribunal Federal, que nos últimos quatro anos declarou inconstitucional uma série de medidas tomadas por Damares no ministério.
Ele criticou a gestão anterior, que, segundo ele, deixou a pasta com pouco orçamento, e disse que era preciso conseguir R$ 4 milhões de crédito suplementar para retomar os conselhos participativos, desmantelados na gestão Bolsonaro.
Silvio Almeida também afirmou que mais do que dobrou o orçamento para programas de proteção a defensores de direitos humanos e proteção a testemunhas.
“Em nome da compaixão, não estamos aqui para ser hipócritas. Sabemos muito bem o que pensava o governo anterior sobre as políticas de memória, verdade, justiça e não repetição. A gente sabe que o presidente anterior gostava de ditadura, que elogiava torturadores”, afirmou.
Ele afirmou que a saída do Consenso de Genebra teve o apoio do Itamaraty e do Ministério da Saúde. E disse que o grupo é formado por regimes “que não gostam nada de democracia”, como Arábia Saudita e Hungria.
JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)