O Brasil registra pelo menos 52 denúncias de assédio sexual por dia, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O crime difere do assédio, o crime mais conhecido.
Ao todo, foram 19.209 denúncias ao longo de 2021, balanço mais recente divulgado pelo fórum, ante 16.190 episódios de assédio sexual registrados em delegacias de todo o país no ano anterior. Em 2019, foram mais 13.576 casos. Especialistas, porém, afirmam que há subnotificação, dado o caráter “sutil” do crime e sua recente inclusão no Código Penal, que só tipificou a conduta em 2018.
O assédio sexual é definido como “a prática de ato libidinoso contra alguém e sem seu consentimento, com o fim de satisfazer lascívia própria ou alheia”, segundo o Código Penal. O crime difere do assédio porque não há relação hierárquica ou subordinada entre o autor e a vítima.
Coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), a delegada Jamila Ferrari explica que o assédio é um crime que atinge todas as mulheres, independente de classe social, idade ou raça. A maioria dos casos relatados, no entanto, ocorre em transporte público. “Pelos boletins de ocorrência, esse é um crime que infelizmente atinge muito mais as mulheres do que os homens”, diz.
Ela lembra que o assédio sexual se tornou crime exatamente após uma onda de ataques ao transporte público, quando homens foram filmados se masturbando e ejaculando nas vítimas em diferentes cidades do país. Na época, a legislação foi assinada pelo presidente em exercício da República, ministro Dias Toffoli, que destacou a necessidade de transformar culturas e práticas, já que no Brasil “ainda há uma distância muito grande entre os termos normativos e a vida concreta”.
A delegada também observa que, mesmo antes da tipificação, esse tipo de comportamento já gerava constrangimento nas mulheres. “Não é que não tenha acontecido antes, mas talvez não tenha sido tão importante. A vítima ficou com raiva, revoltada, mas as pessoas ao seu redor não tiveram reação”, conta. “Até pouco tempo atrás, a desculpa era que era ‘coisa de homem’, ‘ele não se contém’, ‘é normal’. Mas infelizmente não, esse tipo de ação sempre foi constrangedor e totalmente invasivo para as mulheres.”
A pena para este tipo de crime pode variar entre 1 e 5 anos de prisão, desde que o facto não constitua algo mais grave. “É muito comum, principalmente quando se trata de assédio sexual, ser reforçado pela sociedade que a pessoa que está praticando o assédio não está sendo invasiva e faz parte do processo de sedução. Mas, a partir do momento que causa desconforto para a mulher, é crime”, afirma a psicóloga clínica Tatiane Paula.
ASSÉDIO
No que diz respeito aos casos de assédio, foram 4.500 registrados no país durante o ano de 2020, um total que subiu para 4.900 no ano seguinte. “No assédio sexual, existe uma relação hierárquica entre o perpetrador e a vítima. E o autor do crime acaba usando isso para obter vantagem ou satisfação sexual”, diz Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela USP. É um crime que acarreta pena de 1 a 2 anos de prisão, menos tempo do que no caso de assédio sexual.
‘Sempre que uma pessoa famosa é vítima, há enxurradas de BOs’
“Sempre que uma famosa é vítima de assédio ou assédio sexual e conta o caso, sabemos que gera uma enxurrada de novas denúncias (de ocorrências)”, afirma a delegada Jamila Ferrari. O caso presenciado pelo Brasil nos últimos dias, ocorrido no BBB, tem o mesmo poder de sensibilizar. “Principalmente quando falamos de festas e locais de consumo de álcool, porque (o crime) independe de estar bêbado ou não.”
A delegada afirma que não são raras as denúncias em que a vítima de assédio sexual é menor de idade. Ainda no ano passado, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu um novo entendimento sobre esses casos. “Crime sexual contra menor de 14 anos é estupro de uma pessoa vulnerável e não pode ser assédio.”
“Ninguém está dizendo que não pode mais flertar, namorar ou namorar. Mas a partir do momento que a mulher demonstra que não quer, verbalmente ou não, tudo que for feito em seguida é crime.”
IMPORTÂNCIA DA RECLAMAÇÃO
Nem toda vítima de assédio sexual tem a seu favor o fato de o crime ter ocorrido “na casa mais vigiada do Brasil”, com câmeras registrando a ocorrência, como aconteceu no reality show Big Brother Brasil da TV Globo. Muitos também não têm testemunhas que possam confirmar o episódio.
Jamila informa que, mesmo com a existência desses e/ou outros entraves, é importante que seja feita uma denúncia formal. “Se a pessoa tiver vergonha de falar com um policial homem, por exemplo, leve alguém, um amigo ou uma testemunha para acompanhá-la”, diz. Outra opção para evitar qualquer medo ou constrangimento é registrar um boletim eletrônico no site da Polícia Civil. “Isso é muito importante para termos dados de ocorrências. Quanto mais informações, maiores as chances de chegar ao autor dos crimes.”
ENTENDA O CASO
A Delegacia da Mulher de Jacarepaguá vai convocar o cantor Guilherme Aparecido Dantas Pinho, o MC Guimê, de 30 anos, e o lutador Antônio Carlos Coelho de Figueiredo Barbosa Júnior, o Cara de Sapato, de 33 anos, para prestar depoimento sobre a acusação de assédio sexual contra a mexicana Dania Mendez.
Imagens da festa da líder do BBB, entre a noite de quarta e a manhã de quinta, mostram MC Guimê passando a mão nas costas e no bumbum da mexicana, que rechaça o gesto. Em outro momento, a lutadora Cara de Sapato beija o participante, que não retribui e bate de leve no peito.
Matheus Falivene, doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), afirma que “um aceno de mão e o chamado ‘beijo roubado’ são condutas que, em tese, configuram crime de assédio sexual” .
Antes de serem expulsos pela Globo, os assessores dos dois ex-participantes do BBB divulgaram notas em que se desculpavam pela conduta. Segundo a equipe de Guimê, ele exagerava na bebida.
João Ker e Renata Okumura – Estadão Conteúdo