Discursos de Lula geram desgaste na política, economia e relações internacionais

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acumula nos primeiros quatro meses de seu novo mandato uma série de declarações polêmicas e, em alguns casos, conflituosas. Essas falas do deputado já lhe causaram desgastes no mundo político, no mercado e na esfera internacional.
Lula também cometeu gafes. Chegou a ser acusado de gordofobia, racismo e até ganhou a inimizade dos gamers, ao associar casos de violência nas escolas aos videogames. Aos 77 anos, o chefe do Executivo cumpre seu terceiro mandato no Palácio do Planalto.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a comunicação é uma das principais preocupações do Palácio do Planalto durante o governo Lula 3. Há um entendimento entre seus assessores de que uma maior exposição do presidente pode levá-lo a cometer erros. Entre outros motivos, isso se deve ao fato do representante gostar de falar de improviso.
Uma das estratégias do Planalto foi tentar reduzir o número de pautas e solenidades com discursos no início de seu mandato, o que abriu caminho para improvisos e discursos fora do tema central.
O mais recente discurso polêmico de Lula colocou o Brasil em rota de colisão com as potências europeias e os Estados Unidos, dois meses depois de o presidente ser recebido por Joe Biden na Casa Branca.
Lula já havia dito que a Rússia e a Ucrânia eram responsáveis pela guerra. Nas últimas semanas, ele fez uma série de declarações que incomodaram Washington e os países europeus.
Ele sugeriu que a Ucrânia seria forçada a ceder parte de seu território em uma eventual negociação de paz e disse que tanto o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskiy quanto o presidente russo Vladimir Putin foram os responsáveis por iniciar o conflito.
“Putin não pode tomar terras na Ucrânia. Talvez a Crimeia nem seja discutida. Mas o que ele invadiu de novo, ele vai ter que repensar”, disse, durante café da manhã com jornalistas. Por outro lado, “Zelensky também não pode ter tudo o que pensa que vai querer”.
Uma semana depois, em viagem oficial à China, ele atacou os Estados Unidos e disse que os americanos precisam parar de estimular o conflito.
“Em outras palavras, os Estados Unidos precisam parar de encorajar a guerra e começar a falar sobre paz, para que possamos convencer Putin e Zelensky de que a paz é do interesse de todos, e a guerra é apenas interessante, por enquanto, para ambos”.
A série de falas de Lula sobre o assunto o levou a ser criticado nos Estados Unidos e na Europa por estar alinhado com a visão da China e da Rússia sobre o conflito – portanto, longe da posição de neutralidade que afirma ter. Um porta-voz do governo Biden chegou a dizer que Lula estava repetindo a propaganda russa.
Neste sábado (22), em entrevista em Portugal, agora ele disse que nunca igualou a responsabilidade da Ucrânia e da Rússia na guerra. “Não estive na Rússia e não vou para a Ucrânia. Só irei quando houver a possibilidade de realmente haver um clima de construção da paz. Sempre fui uma pessoa que deseja a integridade territorial”, afirmou.
Na política interna, Lula também provocou forte reação ao disparar dois tiros contra o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), que o condenou à prisão quando era o juiz responsável pelas ações da operação Lava Jato em Curitiba.
O deputado disse em entrevista ao vivo que iria “foder esse Moro”, ao relembrar o período em que esteve preso, quando respondia aos visitantes: “Só vai dar certo quando eu foder esse Moro”.
No dia seguinte, a Polícia Federal realizou uma operação após descobrir um plano do PCC para atacar Moro e seus familiares, mas Lula sugeriu que se tratava de uma “armação” do ex-juiz.
A equipe de Lula avaliou nos bastidores que o ataque a Moro acabou repercutindo mal. Naquele momento, cogitava-se até mesmo a redução do número de pautas do presidente, para diminuir sua exposição.
Mas ninguém foi mais criticado por Lula nesses quatro meses do que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Além da figura do líder, Lula e muitos de seus aliados costumam atacar os juros e o mercado, causando ruídos no cenário econômico.
No momento em que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) articula o quadro fiscal, Lula causou alvoroço no mercado ao sugerir uma mudança na meta de inflação.
Até parentes do presidente chegaram a criticá-lo por causa de suas declarações.
Durante evento com governadores e chefes de Poderes, para discutir segurança nas escolas, o deputado fez uma lista de casos recentes de ataques com videogames, que segundo ele estimulariam a violência.
“Não tem jogo, não tem jogo falando de amor, não tem jogo falando de educação. É um jogo que ensina as crianças a matar. E cada vez muito mais mortes do que na Segunda Guerra Mundial. Basta pegar o jogo dessas crianças “, disse ela.
A fala gerou repercussão nas redes sociais. Um dos filhos de Lula, Luis Cláudio, publicou uma mensagem defendendo os games como entretenimento.
“Meu pai viu seus filhos e netos crescerem jogando videogame, ele sabe que isso não nos tornava violentos, ele fez uma declaração sobre um assunto polêmico ao vivo e acabou generalizando. Os videogames são muito mais que violência, são arte, lazer e entretenimento”, publicou.
Lula também conseguiu gerar outra polêmica no mesmo evento, quando buscou vincular os autores dos ataques com “deficiência mental” e pessoas “com problema de desequilíbrio de parafusos”.
Além da saúde mental, outras questões consideradas importantes para o eleitorado progressista têm sido alvo de deslizes do presidente nos últimos meses.
Durante a 52ª Assembleia Geral dos Povos Indígenas, em março, Lula classificou a escravidão da população negra como uma “desgraça”, mas disse que ela causava “uma coisa boa, que era a mistura, a miscigenação”.
A declaração gerou críticas de ativistas, que disseram que não houve resultado positivo da escravidão e que a ideia de enaltecer a miscigenação de raças gerada por esse processo está ligada ao mito da democracia racial – usado na história brasileira para negar a existência de racismo.
Dias antes, ele havia feito um comentário jocoso sobre o fato de o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), estar acima do peso. Lula foi alvo de críticas de adversários nas redes sociais após sua fala, sendo acusado de gordofobia.
O Chefe do Executivo classificou a obesidade como uma doença que causa tanto mal como a fome, exigindo cuidados do Estado para este problema, e disse que Dino agora estaria a fazer exercício, a andar de bicicleta, por estar acima do peso.