O julgamento da indicação de políticos para as estatais teve mais uma reviravolta no Supremo Tribunal Federal (STF). O novo capítulo envolve uma queda de braço entre os ministros Ricardo Lewandowski e André Mendonça. O assunto interessa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que indicou Lewandowski para a Corte e agora em seu terceiro mandato vai liderar um sucessor para a vaga que será aberta com a aposentadoria do ministro até maio.
O processo em análise pode amenizar as restrições à nomeação de políticos para cargos de comando em empresas públicas. As regras estão previstas na Lei das Estatais, aprovada durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) após os escândalos revelados pela Operação Lava Jato para impedir o uso de indicações como moeda de troca no jogo político. A ação é movida pelo aliado PCdoB – PT.
O relator do caso é Lewandowski, que deixará a Corte quando completar 75 anos – idade limite para ocupar uma cadeira no STF. Anteontem, ele suspendeu um trecho da lei e abriu caminho para nomeações políticas em empresas públicas. Como mostrou o Estadão, o governo Lula já está negociando cargos em diretorias de estatais para acomodar aliados e ampliar sua base de apoio no Congresso – sobretudo, a do Centrão.
A decisão liminar (provisória) concedida por Lewandowski também autoriza a indicação de integrantes de partidos políticos e pessoas que tenham atuado em equipes de campanha eleitoral. A condição é que deixem quaisquer cargos de direção partidária. Por lei, hoje, é exigida uma quarentena de 36 meses (três anos) para que se possa assumir esses cargos. A Câmara aprovou uma mudança na regra no final do ano passado, mas o texto não avançou no Senado.
“Afastar indiscriminadamente pessoas que atuam na vida pública, seja na estrutura governamental, seja na esfera partidária ou eleitoral, da gestão de empresas estatais, constitui discriminação odiosa e injustificável do ponto de vista do princípio republicano, cerne da nossa Carta Magna”, justificou Lewandowski na decisão em que atendeu ao pedido do PCdoB.
No entanto, quando há solicitação de visualização, a análise do processo é interrompida. Em regra, a ação só é orientada pela presidente do STF – no caso, Rosa Weber – depois que o ministro que usou o instrumento para ter mais tempo para analisar o caso liberar o processo, ou após o prazo de 90 dias .
O pedido de revisão de Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro (PL), foi feito na semana passada, quando foi iniciado o julgamento da ação no plenário virtual do STF – neste espaço digital, que funciona como plenário físico, os votos são depositados sem debate entre os Ministros da Corte. Com o pedido, Mendonça poderia arquivar a ação até junho, ou seja, até depois da aposentadoria de Lewandowski. O processo continuaria na arrecadação para o sucessor.
‘Urgência’
Lewandowski, porém, decidiu usar os poderes de relator com a justificativa de que há “urgência excepcional” no caso e “risco de dano irreparável”, porque as assembleias para eleição de diretores e membros do conselho de administração do estado empresas de propriedade privada estão programados para o final de abril.
O ministro também submeteu decisão própria ao plenário, o que na prática força a retomada da discussão no colegiado, ainda que de forma preliminar. O julgamento da decisão monocrática de Lewandowski foi marcado no plenário virtual para o período de 31 de março a 14 de abril.
Reação
Em menos de quatro horas, veio a reação. Mendonça liberou o processo para julgamento, de mérito – o que significa que a decisão do plenário não será provisória – sobre a suspensão das normas da Lei Estadual, mas definitiva, sobre a constitucionalidade das normas.
A estratégia é inusitada: os pedidos de revisão tendem a demorar consideravelmente mais, tanto que o STF mudou o regimento interno no final do ano passado para determinar que os processos serão automaticamente liberados para inclusão em pauta se o prazo de 90 dias prazo para devolução do visto não é respeitado pelo ministro.
Há ainda outra disputa: a modalidade do julgamento. Interlocutores de Lewandowski dizem que ele gostaria de manter a votação no plenário virtual, longe da TV Justiça e da opinião pública, mas Mendonça devolveu a visão diretamente no plenário físico Com isso, a data para julgamento fica a cargo de Rosa Weber, que irá ser responsável por enquadrar o caso na ordem do dia.
Dúvida
O plenário do STF não precisa julgar primeiro a decisão liminar e depois o mérito da causa. “A ação está autuada e pronta para julgamento. O plenário tanto pode decidir o mérito da ação quanto fazer nova apreciação provisória, mantendo ou suspendendo a liminar”, disse Vitor Rhein Schirato, doutor em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da instituição.
Caso a liminar de Lewandowski seja derrubada, há espaço para discussão: se Lula nomear diretor de empresa estatal vetado pelo artigo 17 da Lei das Estatais, pode-se argumentar que o ato foi válido porque foi, no tempo, protegido por decisão judicial. No entanto, Schirato disse não acreditar na possibilidade de um “direito adquirido”. “Em teoria, hoje, qualquer um pode ser indicado. Mas, se amanhã o entendimento for pela constitucionalidade, essa nomeação passa a ser ilegal”, afirmou.
Política
Felippe Mendonça, doutor em Direito Constitucional pela USP, vê um movimento político de Mendonça, não de Lewandowski. “O pedido de revisão de Mendonça, mesmo para liberação imediata após a liminar, parece ter sido para fins políticos, tentando impedir indicações”, disse ela.
Sobre a possibilidade de eventuais nomeações acontecerem no período, ele levanta outro ponto: “É preciso se preocupar com o funcionamento da empresa em que a pessoa foi indicada e quem estaria no cargo”.
(Rayssa Motta e Isabella Alonso Panho, especial do Estadão)