Vinculado ao MEC, o Conselho Nacional de Educação vai sugerir às redes públicas de ensino que implementem o 4º ano com matrícula optativa para alunos – Foto: Reprodução
A criação do 4º ano do ensino médio está sendo discutida pelos educadores como uma das estratégias de recuperação do aprendizado no Brasil após a pandemia de Covid-19. A nova série foi oferecida aos alunos da rede estadual de São Paulo em 2021 e 2022, como forma de mitigar os prejuízos causados pelo fechamento prolongado das escolas.
Vinculado ao MEC, o Conselho Nacional de Educação vai sugerir às redes públicas de ensino que implementem o 4º ano com matrícula optativa para os alunos. Essa recomendação havia sido feita às secretarias de educação durante a pandemia e agora será retomada, segundo Luiz Curi, presidente do órgão.
O passo extra fez parte de uma série de orientações definidas pelo conselho ao longo da pandemia, na altura consideradas de carácter emergencial e excecional, e que deverão ser retomadas este ano, reestruturadas para a realidade do ensino presencial.
Outra diretriz da pandemia que será reforçada para as redes é o currículo contínuo. Isso significa que o conteúdo de uma série deve ser ensinado mesmo que os alunos passem para a próxima série.
Uma turma de 5ª série, por exemplo, pode ter que continuar aprendendo o conteúdo daquela série quando estiver no primeiro semestre da 6ª série. As disciplinas da 6ª série começariam no segundo semestre, e assim sucessivamente. Com isso, em tese, os déficits de aprendizagem podem ser recompostos ao longo da vida escolar.
O problema está justamente no ensino médio, quando o aluno termina o ensino fundamental sem tempo para recuperar as perdas acumuladas. O 4º ano seria então uma forma de aumentar a possibilidade de recuperação, bem como preparar melhor os alunos para o Enem, para outros vestibulares e até para o mercado de trabalho.
A criação de uma nova série escolar, no entanto, exige mais investimento, algo fora do alcance da maioria das redes públicas de ensino do país. Mesmo em São Paulo, a ideia esbarrou em falta de estrutura e planejamento e não decolou.
No final de 2020, a Secretaria de Educação de SP informou que 31 mil alunos haviam optado por cursar, em 2021, o 4º ano do ensino médio, o que representava 10% de todos os alunos que se formariam à época. Consultada pela Folha de S.Paulo, porém, a assessoria do órgão informou que apenas 1.800 se inscreveram. Em 2022, eram apenas 77, o que levou o governo a extinguir o 4º ano.
Iniciativa do então secretário Rossieli Soares no governo Doria (ex-PSDB), o 4º ano do ensino médio não está nos planos do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos). “Com o retorno às aulas presenciais, entendemos que não há mais essa necessidade e estamos estudando outras formas de valorização, como reforço contínuo e controle de frequência escolar”, disse Renato Feder, novo responsável pelo secretariado.
EDUCAÇÃO INTEGRAL Nicole Agda Vieira Mascarenhas, 20 anos, foi uma das alunas que se matriculou no 4º ano em 2021. Moradora do Jardim Helena, periferia da zona leste da capital, ela conta que, até 2020, sua turma estudava pela manhã e que se surpreendeu com o fato de o 4º ano ser colocado em período integral, das 14h às 19h20.
“Quando descobri que teríamos que ficar mais de sete horas na escola, acabei desistindo. Fiz curso de Libras à tarde, também pensando em uma profissão, e muitos já trabalhavam ou tiveram que trabalhar depois da pandemia”, conta.
Nicole diz ter ficado decepcionada com a iniciativa “pela falta de preparo da rede estadual”. “A escola recebeu uma reforma incrível e novos materiais, como computadores e acervos de livros, de Percy Jackson a Vinicius de Moraes”, conta. “Mas faltou humanização. Éramos jovens que ficaram um ano em casa, sem ver amigos e professores, e com uma situação financeira desfavorável.”
Para Nicole, o 4º ano do ensino médio, para funcionar, não pode deixar de considerar que a maioria dos alunos precisa trabalhar. “Tem que ser pensado para o jovem que quer melhorar de vida, trabalhar, cursar ensino técnico, tirar carteira de habilitação [carteira nacional de habilitação]”, ele diz.
A aluna, matriculada em uma faculdade particular de ciências sociais, desistiu e está concluindo o curso de auxiliar técnico de enfermagem.
A criação do 4º ano do ensino médio também foi anunciada pelos governos do Rio Grande do Sul e do Maranhão. No RS, foi desenhado um programa de recuperação comparável a um 4º ano, voltado para alunos formados durante a pandemia (2020 e 2021). Chamado de Programa Escolha Certa, funcionou de maio a dezembro de 2022, com aulas de matemática, português, inglês, projetos de vida e alfabetização digital.
No Maranhão, o plano foi abandonado. A razão, segundo um porta-voz da Secretaria de Educação, foi que “a comunidade escolar não aderiu”.
Curi, do CNE, afirma que a medida, assim como a expansão das escolas de tempo integral, deve levar em consideração as diferentes realidades do país e, principalmente, o fato de que os jovens precisam trabalhar. “Tem de haver políticas de apoio a todos os que têm dificuldades. Oferecer bolsa é uma forma de manter o aluno na escola e deixar a família mais tranquila”, afirma.
Segundo ele, também é possível criar uma versão da bolsa de iniciação científica, oferecida no ensino superior, para alunos do ensino médio, com a participação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). “Várias ideias podem ajudar. Não podemos nos render ao caos social que herdamos, temos que superá-lo.”
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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)