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Esquemas de manipulação têm consequências devastadoras, diz pesquisador

A operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás (MP-GO), revelou a existência de esquemas para manipular os resultados das partidas de futebol para favorecer apostadores que tivessem a participação de jogadores das Séries A e B do Campeonato Brasileiro.

Para entender um pouco mais sobre esse esquema fraudulento, Agência Brasil conversou com o professor da pós-graduação em Direito Desportivo da PUC-PR Tiago Horta, que integra o Comitê de Defesa do Fair Play do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Durante a entrevista, o especialista em integridade esportiva disse que a decisão do Governo Federal de regulamentar o mercado de apostas esportivas no país é positiva, mas não é suficiente. É fundamental estabelecer, em todo o território nacional, um forte sistema de integridade.

Além disso, o pesquisador entende que as consequências dos escândalos revelados por meio da Operação Penalidade Máxima são devastadoras e que, para amenizar um pouco os danos causados, as punições devem ser exemplares, para que a indústria do futebol não caia em descrédito.

Agência Brasil: Em dezembro de 2018, foi publicada a LEI nº 13.756, que liberou as atividades das Casas de Apostas Esportivas no Brasil. Dessa data até hoje, como se formou o universo das apostas esportivas no Brasil?
Tiago Horta: A Lei 3.756 de 2018 surgiu no sentido de tentar integrar o Brasil ao que acontecia no contexto internacional. As apostas já eram uma realidade em grande parte do mundo, inclusive no Brasil. Era um mercado em crescimento, mas até então meio obscuro. A própria lei de contravenções penais já mencionava a questão dos jogos de azar, proibindo que sites dessa natureza fossem hospedados no Brasil.

No entanto, essa legislação abriu uma brecha para que esses sites operassem de fora do Brasil, cenário que se mantém até hoje. A lei legaliza a questão das apostas desportivas de quotas fixas, mas falta regulamentação. No entanto, o anterior Governo não tinha interesse em tratar do assunto e esta realidade acabou por se estender até aos dias de hoje.

A lei trouxe algumas situações interessantes. Por exemplo, em termos de patrocínios, abriu uma espécie de caixa de Pandora. Antes disso, tivemos alguns ensaios de algumas empresas que tentaram entrar no esporte, anunciando na TV, com tentativas de anunciar na manga da camisa de um clube, mas tudo de forma discreta. Ainda não foi dito que era um site de apostas, usaram outro tipo de nomenclatura. Mas, a partir de 2018, sentiram-se à vontade para isso, o que levou ao fato de que hoje, no futebol brasileiro, praticamente todos os grandes clubes das Séries A e B contam com algum tipo de patrocínio de sites de apostas. Anúncios em emissoras de TV também estão muito presentes. Essa foi uma das principais consequências da falta de regulamentação.

A falta de regulamentação levou à falta de limites na questão dos patrocínios. Qual o limite de patrocínio em relação ao uso de atletas? Atualmente, o mercado busca uma espécie de autorregulação, propondo que atletas com menos de 25 anos não sejam mais utilizados. O mesmo acontece com a possibilidade de os atletas firmarem parcerias particulares com sites de apostas. Não há regulamentação que libere ou proíba. O desafio é muito grande nesse sentido. É realmente necessário verificar esta situação, para que, a partir do regulamento, tenhamos, pelo menos, um conhecimento das regras. A partir de então, as autoridades poderão exigir o seu cumprimento.

No meu entendimento, a regulamentação não é a solução final para manter a integridade do esporte, mas acho que a regulamentação pode ser um dos fatores que ajudarão a construir um forte sistema de integridade.

Agência Brasil: Muita gente ainda não entendeu como são feitas as apostas investigadas. Resumidamente, que tipos de apostas são oferecidos? E por que apostar nos cartões amarelos para ganhar destaque nas investigações do Ministério Público?
Tiago Horta: O mercado de apostas ainda é incipiente no Brasil. Ganhou força nos últimos quatro anos. Portanto, ainda faz parte de uma grande curva de aprendizado. Os mercados relacionados a um evento esportivo são variados. Você tem, por exemplo, o mercado de resultados, quem vai ganhar a partida, que é parecido com a loteria esportiva. Além disso, existe o mercado de gols, de quantos gols serão marcados no jogo. Existem variações desses mercados, relacionadas aos tempos do primeiro e segundo tempo de um jogo: Quem vai ganhar no primeiro tempo? Quem vai ganhar no segundo tempo? Esses seriam os mercados mais populares, onde há mais liquidez, mais dinheiro circulando. Porém, existem outros mercados que geram interesse dos apostadores, como quem vai fazer o gol, ou cartões amarelos, escanteios. Há quem se interesse em apostar nesses mercados secundários, pois acredita que, eventualmente, pode ser mais vantajoso.

Quanto à questão dos cartões amarelos, entendo que ganhou relevância porque, na opinião dos manipuladores, para manipular o resultado final de uma partida é necessário cooptar um grupo de atletas. Dentro dessa noção de fraude, é importante saber que nem sempre os manipuladores obtêm sucesso em suas tentativas.

É aqui que entra a questão dos cartões. Para burlar uma situação de cartão amarelo, basta cooptar um único atleta. Esse acordo é mais pontual, acaba sendo mais fácil de ser alcançado. Além disso, esses atletas se sentem constrangidos em manipular o resultado de uma partida, o resultado final de um jogo. Mas quando os recrutadores propõem uma fraude em situação de cartão, muitas vezes conseguem convencer os atletas, afirmando que esta é uma situação que não trará grandes prejuízos ao resultado da partida.

O grande problema é que, a partir do momento em que o atleta aceita isso pela primeira vez, ele fica nas mãos do recrutador. Então ele dificilmente conseguirá sair disso. Ele é suscetível a ameaças e chantagens. Por isso a educação é tão importante. Os atletas precisam aprender sobre o risco de se envolver nisso e a importância de refutar qualquer proposta nesse sentido.

Agência Brasil: Algo que chama a atenção de muita gente é o envolvimento de jogadores da Série A e da Série B nesses crimes, pois existe a percepção de que esses atletas possuem bons salários. O que explica esse envolvimento?
Tiago Horta: A grande questão é que, quando estamos lidando com atletas, temos que lembrar que estamos lidando com pessoas, não com máquinas. A questão dos salários mostra muito isso. Há dois fatores que considero muito importantes aqui. A primeira é que não há uniformidade de salários altos ou baixos. O Flamengo, por exemplo, tem uma faixa salarial, enquanto o elenco do Cuiabá tem outra. As realidades salariais são muito discrepantes e, dentro dos próprios plantéis, também há atletas que recebem salários muito diferentes uns dos outros.

O segundo fator é que os atletas estão inseridos em um contexto familiar, de amigos. Esses atletas, às vezes para ajudar alguém que conhecem ou são influenciados de alguma forma, podem ser levados a praticar esse tipo de fraude. Essas fraudes de cartão amarelo vão acontecer até mesmo nos campeonatos mais importantes, aqueles que terão liquidez nos mercados de cartões, que terão dinheiro suficiente correndo para justificar a prática dessas fraudes. É muito improvável que os jogos da Série C ou D ofereçam esse tipo de mercado, pois não movimentarão dinheiro suficiente para que as apostas ocorram nesses mercados sem levantar mais suspeitas.

Agência Brasil: Na sua opinião, que prejuízos o clima de desconfiança causado pela revelação de esquemas de fraude traz para o futebol brasileiro?
Tiago Horta: Entendo que a situação é devastadora. O mal tem que ser cortado pela raiz. Os exemplos punitivos devem ser exemplares, não se pode colocar a mão na cabeça do atleta num momento como este, porque todo o meio ambiente está em risco, toda a indústria do futebol está ameaçada. Basta notar a perplexidade das pessoas nos últimos dias, a preocupação e o sentimento de desconfiança que aumentou absurdamente. O futebol, o esporte como um todo, tem dois pilares fundamentais: credibilidade e imprevisibilidade. Esses dois pilares devem permanecer, para o bem de toda a indústria esportiva (patrocínios, contratos de atletas, contratos de TV, etc.). Se um desses pilares for quebrado, todo o sistema desaba.

Acho que as quadras esportivas estão se posicionando com lentidão em relação ao que vem sendo noticiado pela imprensa. Além disso, há denúncia do Ministério Público de Goiás que aponta diversos jogadores. A partir do momento que existe um jogador suspeito de participar de um esquema fraudulento, fica totalmente inviável que aquele jogador continue atuando. Não é para cercear o direito de defesa de ninguém, mas todos esses jogadores devem ser suspensos preventivamente, impossibilitados de atuar até que os fatos sejam totalmente esclarecidos. Isso tudo porque todo um sistema está em risco e não podemos considerar que a simples presunção de inocência desses atletas seja mais importante do que todo um sistema. Temos que manter a credibilidade e a imprevisibilidade. Essa deveria ser a prioridade número um. Posteriormente esses atletas poderão se defender, e quem conseguir provar sua inocência deverá voltar a jogar. Quanto aos outros, acho que não deveriam.

Agência Brasil: Quais ações podem ser tomadas (pela CBF, Governo, etc) para prevenir esses crimes? A regulamentação das apostas pode ser um caminho a seguir?
Tiago Horta: Todos têm um papel no combate à viciação de resultados. No entanto, devemos deixar claro que não vamos acabar com a manipulação de resultados, mas devemos tomar uma série de medidas para prevenir a ocorrência e saber como agir quando os casos vierem à tona. E essa ação deve ser assertiva. Principalmente no esporte, há muita dúvida sobre o que fazer, como agir. Nessa questão, os diversos atores relacionados ao setor de apostas esportivas devem trabalhar em conjunto, cada um em seu âmbito de atuação: poder público, CBF, outras federações esportivas, clubes e também empresas privadas, que podem contribuir com soluções em conformidade (para garantir que as regras sejam seguidas), monitorar sites de apostas, oferecer canais de denúncia e produzir investigações privadas. Existem várias ferramentas. Isso tudo tem que ser estruturado dentro de um sistema. Não adianta pensar que uma ação isolada do poder público resolverá o problema, ou apenas uma ação das entidades esportivas.

O trabalho de prevenção é talvez o fator mais importante. Fazendo um bom trabalho de prevenção, evita-se a participação e entrada da maioria destes atletas e árbitros em esquemas de viciação de resultados. É uma tarefa que deve ser conduzida pelas entidades esportivas, tanto na administração do esporte (federações, CBF) quanto pelas entidades esportivas (que são os clubes). Todos eles têm que trabalhar nacionalmente. Não adianta pensar que o governo fará isso sozinho. Mas isso também demanda investimento das entidades esportivas, que muitas vezes deixam de tomar as devidas providências, pois dizem que sairá caro. Mas eles devem entender que é preciso fazer a sua parte, enquanto o poder público vai agir da forma que está agindo agora, nos casos em que a educação não conseguiu conscientizar as pessoas envolvidas (atletas, árbitros, dirigentes) de que devem não praticar fraude.

Hoje não temos um ambiente construído para um trabalho preventivo, e todas as outras iniciativas de combate ao problema não são pensadas dentro de um sistema. Uma federação, por exemplo, pode contratar um sistema de monitoramento para detectar fraudes, e não sabe como acompanhar essa iniciativa. O que fazer com essa informação agora? A prevenção e o combate passam pela construção de sistemas estruturados de integridade. Não adianta pensar que uma iniciativa isolada construída de qualquer forma resolverá o problema.

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