O medo de possíveis efeitos adversos e a falta de confiança nas vacinas são os principais motivos pelos quais pais e responsáveis negligenciam a vacinação de crianças e adolescentes. É o que mostram pesquisas apresentadas pela Sociedade Brasileira de Pediatria e pelo Instituto Questão de Ciência. Outras denúncias comumente ouvidas nos ambulatórios são o esquecimento, a falta de vacinas no serviço público e o preço das doses nos serviços privados.
A Pesquisa de Hesitação de Vacinas: Por que Estamos Recuando em Conquistas Tão Importantes? ouviu cerca de mil pediatras brasileiros para descobrir as dúvidas mais comuns sobre a vacinação relatadas pelas famílias durante o atendimento pediátrico. O estudo completo será conhecido no final de maio, mas dados preliminares indicam uma influência relevante de informações não confiáveis ou fake news no comportamento das famílias.
“Muitas dúvidas e falsas alegações baseadas em desinformação chegaram aos pediatras. Entre as principais estão frases como ‘minha filha não precisa da vacina do HPV, porque ainda não iniciou a vida sexual’; ‘Vacina para HPV pode gerar efeitos neurológicos graves’; e também ‘doença por rotavírus é leve em crianças’”, destacou a Sociedade Brasileira de Pediatria, por meio de nota.
COVID-19
Segundo 81,29% dos pediatras entrevistados, a vacina contra a covid-19 é a que tem gerado mais apreensão entre as famílias, seguida das doses contra gripe (6,7%) e febre amarela (6,09%), doenças mais conhecidas pelos população. Os principais motivos apresentados nos consultórios, no caso da vacina contra a covid, são:
– “A vacina covid-19 com tecnologia de RNA pode trazer riscos à saúde das crianças” (18,09%);
– “Não aceita correr riscos, pois as imunizações podem causar doenças como miocardite e trombose” (16,58%);
– “As vacinas de ARN não são seguras a longo prazo” (13%);
– “Crianças não têm covid grave” (12,84%);
– “Não conheço nenhuma criança que tenha morrido de covid” (8,8%).
Mídia social
Na percepção dos especialistas, informações não confiáveis ou notícias falsas são disseminadas, sobretudo, por meio das redes sociais (30,95%). Aplicativos de mensagens como o WhatsApp (8,43%) e a internet como um todo (13,6%) parecem ter maior poder de influência do que a televisão (3,34%).
Análise
O presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, Clóvis Francisco Constantino, lembrou que, nos últimos seis ou sete anos, o país registrou uma queda “forte e muito perigosa” na cobertura vacinal como um todo. O problema, segundo ele, se acentuou durante o período mais crítico da pandemia de covid-19.
“Isso nos fez enfrentar um momento muito perigoso em relação às crianças e adolescentes, que são alvo da atenção do pediatra. Recém-nascidos, crianças e adolescentes correm o risco de doenças infecciosas, algumas das quais foram erradicadas e podem voltar. Estamos na rota de retorno de muitas doenças, algumas muito graves”.
“Os pais dessas crianças e adolescentes foram vacinados, mas não estão levando os filhos para serem vacinados”, afirmou. “Eles acham que essas doenças, porque algumas foram erradicadas, nunca mais voltarão? Esta é uma pergunta que eles se fazem? Ou eles não fazem perguntas e se entregam a notícias falsas que veem nas redes sociais sobre os ‘perigos das vacinas’?”
A presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, explicou que o objetivo da pesquisa é traçar um panorama das dificuldades enfrentadas pelos pediatras no consultório associadas à hesitação vacinal. “É uma coisa nova no Brasil.”
“O pediatra brasileiro costumava dizer ‘Seu filho tem X anos e está na hora das vacinas Y e Z’. Não houve muita discussão. O brasileiro sempre foi muito adepto da vacinação, até pela cultura que temos, um programa de vacinação muito ativo há 50 anos.”
Segundo ela, com base nos resultados da pesquisa, o instituto, em parceria com a Sociedade Brasileira de Pediatria, elaborou um curso, já realizado, para representantes das regionais de pediatria de todo o país.
“Partilhamos com eles várias técnicas de comunicação de ciência e saúde sobre como lidar com essas dúvidas [dos pais]como identificar de onde vêm as dúvidas, por que esses pais estão chegando, onde ouviram, como foram contaminados pela hesitação vacinal que acaba aparecendo no consultório.”