Favelas em áreas valorizadas são mais afetadas por incêndios

Favelas localizadas em áreas mais valorizadas são mais propensas a incêndios, segundo estudo do economista Rafael Pucci feito pelo Insper, em São Paulo. A pesquisadora analisou o número de incêndios em comunidades paulistas entre 2001 e 2016. Os resultados mostram que outras variáveis que podem aumentar a frequência dos incêndios, como infraestrutura precária e número de pessoas morando no local, parecem não influenciar têm relação com o número de vezes que há fogo.
No entanto, o estudo mostra que favelas localizadas em áreas mais valorizadas podem ter até o dobro de ocorrências de incêndios do que comunidades em bairros onde o metro quadrado tem valor médio ou inferior.
A pesquisa não aponta uma variação linear entre o preço da terra e a ocorrência de incêndios. Mas há um aumento considerável no número de casos nos bairros mais valorizados. A comparação foi feita através do valor de mercado dos imóveis, que é utilizado para calcular o Imposto Predial Urbano e Territorial, mas não corresponde aos preços de mercado.
A hipótese também foi testada a partir da Operação Urbana Água Espraiada, iniciada em 2004. Nesse contexto, uma série de intervenções foram realizadas pela Prefeitura de São Paulo na região do Itaim Bibi, acompanhadas de autorizações para que empreendedores privados construíssem acima do limites normalmente estabelecidos. . A reforma afetou, segundo a pesquisa de Pucci, um raio de quilômetros onde existiam 13 favelas. Após a intervenção na região, o preço médio do metro quadrado aumentou, segundo a pesquisa, de 10% abaixo da média da cidade para 5% acima do valor médio.
Nas favelas que permaneceram nos locais mais valorizados após a operação urbanística, o estudo apontou um aumento de até 80% no risco dessas comunidades sofrerem com incêndios. No artigo, o autor afirma que os resultados indicam que “os incêndios criminosos podem ser uma manifestação de conflitos urbanos pela terra”.
falta de investigação
Apesar das evidências, Pucci diz que não é possível ter certeza de que há intencionalidade nas causas do incêndio. “Essa correlação existe [valor da terra e frequência de incidentes]não parece ser explicada por fatores estruturais, e há uma história de que isso pode ser motivado pela liberação do terreno onde está localizada a favela”, disse.
Outro ponto que chama a atenção do pesquisador é que essa relação parece não se aplicar a terras públicas. “A partir de um limite de valor de terreno, você tem uma probabilidade duas vezes maior de incêndio. Curiosamente, observamos isso apenas para favelas em terras privadas, não em terras públicas”, acrescentou.
A possibilidade de incêndio criminoso em favelas foi objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito aberta em 2012 na Câmara de Vereadores. Na época, a reportagem da Agência Brasil analisou as respostas enviadas pelas delegacias da capital paulista à comissão de inquérito. Na maioria dos casos, nenhuma perícia foi sequer realizada para determinar as causas do incêndio. Mesmo nos casos em que um especialista vai até a área afetada, raramente os casos são esclarecidos.
As respostas dos distritos policiais mostraram que, na ausência de elementos que indiquem com precisão as causas dos incidentes, a investigação policial tende a supor que o incêndio teve origem em um curto-circuito nas ligações elétricas clandestinas que iluminam os barracos.
guardiões do bem
Mais de dez anos depois, os incêndios continuam afetando repetidamente diversas comunidades da capital paulista.
No final de abril deste ano, a comunidade Kampala, na Penha, zona leste de São Paulo, foi atingida por um incêndio que atingiu cerca de 50 barracos, deixando cerca de 200 desabrigados.
Moradora da comunidade há seis anos, Luciana de Souza Santos contou que antes deste outro incêndio já havia atingido o mesmo local, em 2019. Na ocasião, ela e outros moradores fundaram a associação Guardiões do Bem, que organiza doações para as famílias mais vulneráveis. socialmente. “Fomos às lojas do bairro pedindo doações de pão e leite para fazer o café da manhã. Porque o incêndio foi à noite”, disse ela, sobre tentar diminuir os efeitos do incêndio naquele momento.
Luciana conta que, por falta de opções, a maioria das famílias deslocadas continuou morando em Kampala. “Eles voltaram para o mesmo lugar onde o incêndio aconteceu”, disse ela.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, visitou a favela logo após o incêndio. A prefeitura disponibilizou um cartão auxílio com R$ 1.000 para as famílias atingidas e inscrição nos programas habitacionais municipais. Ele também pediu aos moradores que ajudem a conter a expansão da comunidade em áreas irregulares. “É importante que a comunidade se mantenha, sem ter mais crescimento”, disse.