Governo Lula quer mudar regras de concursos públicos

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda alterar as regras dos concursos públicos para incorporar ferramentas adicionais de avaliação de candidatos e permitir o uso de tecnologia em algumas fases ou ao longo do processo seletivo. melhorar o acesso dos candidatos, aumentar a concorrência, proporcionar segurança jurídica e permitir que o governo selecione seus funcionários de forma mais eficaz.
A intenção é apoiar a discussão de um projeto de lei que já foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda apreciação do Senado Federal. O tema tem sido tratado em reuniões internas do Ministério da Gestão e Inovação nos Serviços Públicos e faz parte de um rol de ações que a pasta pretende colocar em andamento nos próximos meses, que inclui uma nova lei de cotas em licitações públicas .
A proposta em análise contempla a maior parte dos objetivos do governo. Busca validar práticas já adotadas hoje em seleções, mas que são constantemente questionadas pelos tribunais, e amplia os instrumentos à disposição da administração pública para selecionar seus novos integrantes.
Se aprovadas, as regras valerão apenas para novas seleções. A intenção é que as diretrizes sejam aplicadas à União, estados e municípios.
O texto do projeto ainda pode sofrer modificações, mas sua versão atual permite avaliar os candidatos por seus conhecimentos, habilidades e competências. A exigência mínima para realização de prova (escrita, objetiva, dissertação ou oral) permanece, como já acontece hoje, mas a comissão responsável pelo concurso pode exigir outras diligências.
Na avaliação de competências, será possível medir a aptidão intelectual ou física para o desempenho das atividades do cargo, o que inclui provas físicas, elaboração de documentos e simulação de tarefas específicas do cargo.
Na avaliação de competências, a ideia é analisar aspectos comportamentais por meio de entrevista, avaliação psicológica, exame de saúde mental ou teste psicométrico.
A lista de etapas utilizadas no processo de seleção será decidida pelo comitê organizador e deverá ser comunicada de forma transparente aos candidatos.
Outra disposição prevê que o concurso poderá ser realizado “total ou parcialmente” remotamente, online ou em plataforma eletrônica, com acesso individual seguro e em ambiente controlado, desde que garantida a igualdade de acesso.
O uso efetivo da tecnologia ainda dependeria de regulamentação, que pode ser geral para cada esfera de governo ou específica por órgão. As regras devem passar por consulta pública prévia e seguir padrões de segurança da informação. A utilização ou não das ferramentas ficará a critério dos diretores.
Segundo integrantes do governo, ainda não existe um modelo de sucesso estabelecido para a realização de provas a distância, com garantia de segurança para o candidato e para o poder público, mas a intenção do Executivo é criar uma lei abrangente, que permita o uso tecnologia no futuro, se a possibilidade se mostrar viável.
Um membro do governo diz que a legislação brasileira precisa ser preparada, pois a evolução tecnológica tem sido rápida e em pouco tempo pode surgir uma forma segura de aplicar um teste remotamente sem risco de fraude.
O ganho para a administração pública não seria necessariamente financeiro. O uso de tecnologia para a realização de testes requer grandes investimentos. O Enem Digital, por exemplo, foi descontinuado devido à baixa demanda de alunos e alto custo. Mas sua realização, ainda que tímida, é considerada um paradigma de que a transformação é possível.
Para o governo, a principal vantagem de dar passos online é aumentar a concorrência. O diagnóstico é que a administração pública pode estar carente de mão de obra qualificada ou de funcionário dedicado ao serviço público porque essas pessoas não podem arcar com os custos de deslocamento, hospedagem e alimentação para realizar as seleções. Isso cria uma espécie de pré-barreira.
Mesmo que a tecnologia seja utilizada apenas em algumas etapas, isso já seria um ganho em relação ao modelo atual, que obriga o candidato de fora a se movimentar repetidamente à medida que avança no processo seletivo.
Para especialistas, a lei, se aprovada, será um avanço importante, mas a implementação de tecnologias pode se mostrar desafiadora na prática, principalmente em um país desigual como o Brasil.
“Mudanças são bem-vindas, principalmente neste momento de avanço tecnológico, mas também é algo que temos que ficar atentos. Há municípios que não são totalmente informatizados, alguns são mais analógicos”, diz o presidente do Fonacate (Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado), Rudinei Marques.
Na opinião do advogado Eduardo Martins, especialista em concursos públicos da Schiefler Advocacia, a proposta pode modernizar os processos seletivos. Ele, porém, faz ressalvas quanto à segurança da operação.
“É realmente difícil garantir que a pessoa que está fazendo o teste seja exatamente a inscrita no concurso público. Deve haver alguma supervisão, talvez cara a cara, que garanta que a pessoa seja quem diz ser”, diz ela.
O advogado Marcelo Figueiredo, presidente da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democráticos, diz que o texto deve garantir a privacidade dos candidatos e igualdade de condições no processo como um todo.
“O candidato precisa ser avaliado em particular. Você pode fazer uma entrevista virtualmente, desde que tenha mecanismos para garantir que esse processo seja impenetrável. Você não pode ter terceiros participando. E precisa ter um mecanismo de computador que garanta que não há nenhum hacker ajudando o candidato”, afirma.
Caso o processo não seja de fato seguro, o uso da ferramenta pode até aumentar a judicialização, em efeito colateral contrário ao pretendido pelo governo.
Sobre os demais aspectos da lei, o presidente da Fonacate diz que o Brasil precisa de uma lei geral para padronizar as regras das licitações, hoje bastante fragmentadas. “Agora, o importante seria uma lei geral, que obrigasse também os estados e municípios”, diz.
A versão atual da proposta libera estados e municípios para desenvolver seus próprios regulamentos para preencher os cargos locais. À época do trâmite, um parecer da Câmara defendia a necessidade de respeitar a autonomia federativa. Para Marques, isso não faz sentido, visto que os governos regionais concentram o maior número de servidores e cargos.
Para o advogado Eduardo Martins, o melhor seria tentar conciliar algum grau de autonomia para estados e municípios adequarem as regras às suas peculiaridades com a segurança jurídica necessária aos processos seletivos.
“O ideal seria encontrar um meio termo, onde estados e municípios pudessem legislar sobre isso, mas que também tivessem diretrizes gerais mínimas, legislação que trouxesse um norte e um pouco mais de segurança”, diz.
Apesar dos avanços, Figueiredo é cético quanto à capacidade de uma lei de concorrências reduzir o índice de judicialização. Segundo ele, há etapas que envolvem subjetividade na avaliação, o que deve continuar gerando questionamentos.
O projeto tenta eliminar algumas brechas que hoje são alvo de intensa luta nos tribunais, como casos de discriminação. O texto proíbe expressamente qualquer diferenciação de candidatos com base em idade, sexo, estado civil, condição física, deficiência, etnia, naturalidade, procedência ou procedência.
O texto contém um dispositivo considerado um trunfo pelo governo, caso persistam as disputas judiciais. O projeto diz que um juiz ou órgão de controle precisa considerar a realidade dos fatos ao analisar um pedido de impugnação de provas ou critérios previstos no edital, e não apenas a interpretação abstrata de normas legais.
Na prática, a proposta busca orientar a atuação do Judiciário para que também pondere as consequências de cada decisão e vislumbre alternativas e soluções, caso a impugnação ou suspensão do processo seja de fato necessária.
ENTENDA OS PRINCIPAIS PONTOS DO PROJETO
**Formas de avaliação**
Os candidatos são avaliados em seus conhecimentos, habilidades e competências. O texto lista diferentes testes que podem ser usados para medir essas habilidades:
Conhecimentos: provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais, abrangendo conteúdos gerais ou específicos.
Competências: elaboração de documentos e simulação de tarefas específicas do cargo, bem como testes físicos compatíveis com suas atividades.
Competências: avaliação psicológica, exame de saúde mental ou teste psicométrico, realizado por profissional habilitado nos termos de regulamentação específica.
O texto também consolida uma prática que já é aplicada por algumas carreiras e que pode ser ampliada: a realização de cursos de formação, de caráter eliminatório ou qualificativo, com o objetivo de introduzir os candidatos nas atividades do órgão.
**Uso de tecnologia**
O projeto autoriza a utilização de ferramentas online ou plataformas eletrónicas para a realização de parte ou da totalidade do concurso público. Os detalhes ainda dependeriam de regulamentação, mas alguns requisitos mínimos já estariam fixados:
Acesso individual seguro em um ambiente controlado;
Garantir igualdade de acesso a ferramentas e dispositivos no ambiente virtual;
Consulta pública prévia obrigatória;
Cumprimento dos padrões de segurança da informação previstos em lei.