Cobrado por parlamentares e pressionado pela falta de uma base sólida, o governo do presidente Lula busca acelerar o repasse de recursos adicionais a cada deputado como forma de melhorar o clima no Congresso e aprovar medidas de interesse do Palácio do Planalto.
As negociações em torno da liberação desse tipo de financiamento ocorrem principalmente na Câmara e agora também estão sob a provável criação de uma CPI para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro. designar presidente e relator.
Líderes de três partidos ligados ao presidente Arthur Lira (PP-AL) ouvidos pela reportagem informam que os valores negociados no Parlamento variam de acordo com o tempo de mandato do deputado, numa faixa que vai de R$ 3,5 milhões para novos e R$ De R$ 5 milhões a R$ 7 milhões para ex-congressistas.
Isso corresponderia, segundo os dirigentes, a pelo menos metade do valor que os deputados poderão indicar este ano neste tipo de item, denominado RP2, do orçamento dos ministérios.
Esses valores seriam somados ao dinheiro das emendas individuais, da bancada e das comissões a que os parlamentares têm direito. Os deputados indicariam os recursos a serem aplicados em projetos de seu interesse.
Os recursos agora fazem parte de um acordo feito no Congresso no ano passado segundo o qual novos e antigos parlamentares teriam acesso a um determinado valor para indicar ações ministeriais em suas bases.
No final do ano passado, após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de proibir as emendas do relator, que tinham a sigla RP9, sob a alegação de que eram inconstitucionais, o Congresso e o governo Lula firmaram um acordo segundo o qual parte da os recursos se transformariam em emendas individuais e R$ 9,8 bilhões iriam para os ministérios para serem usados no atendimento de demandas parlamentares.
Segundo os deputados, o ministro Waldez Góes (Integração e Desenvolvimento Regional) teria procurado parlamentares nas últimas semanas para conversar sobre a liberação das emendas. Nas conversas que manteve com parte da bancada do União Brasil, ele indicou que essa era uma forma de fidelizar os deputados do partido e prometeu agilidade nos recursos. A reportagem procurou o ministro para questioná-lo sobre as conversas, mas não obteve resposta.
Os governistas que participam das conversas com o Congresso negam que estejam negociando valores específicos que cada parlamentar pode indicar para cada programa e que não estejam vinculando isso à formação de bases.
Admitem, no entanto, ter pedido aos ministérios com mais verbas (como o da Integração Nacional e da Saúde) que agilizem o registo dos programas para que os parlamentares e autarcas registem os projetos e a transferência ocorra.
Articuladores políticos do governo afirmam que há orientação clara para os ministros receberem parlamentares e ouvirem propostas.
Alegam, porém, que os recursos da RP2 não seriam uma nova emenda e que a indicação do dinheiro a ser feito pelos parlamentares ocorrerá da mesma forma que ocorria antes da criação da emenda relatora.
Ou seja, os deputados apresentam teoricamente um projeto para determinado programa, geralmente por meio de ofício, e o ministério decide se aceita ou não a indicação do orçamento segundo critérios técnicos.
Dessa forma, também não há um valor específico que possa ser indicado pelo deputado ou senador, já que a liberação do dinheiro dependeria de critérios técnicos. Na prática, porém, os deputados contam com a liberação de dinheiro para lubrificar a base.
O ministro Alexandre Padilha (secretário de Relações Institucionais), por exemplo, vem sendo pressionado desde o início do ano por lideranças partidárias a acelerar a execução dos recursos.
Até a semana passada, foram liberados cerca de R$ 4,5 milhões de valores pendentes referentes a recursos que estavam na rubrica de emendas do ex-relator.
Embora o titular da pasta que trata da negociação política busque, em conversas com aliados, desvincular a liberação desse dinheiro extra à formação de uma base, os próprios parlamentares já alertaram o governo que, sem isso, será difícil para retê-los.
A distribuição dos recursos tem causado atritos entre a articulação política do governo e a cúpula do Congresso.
Segundo parlamentares, o Planalto insiste em ser visto como o “padrinho” das verbas junto aos deputados, para diminuir a intermediação de Lira, do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e de lideranças partidárias.
A intenção é tentar impor uma mudança em relação à forma como os repasses eram feitos na época das emendas do relator, quando os recursos eram distribuídos por Lira e Pacheco aos seus aliados.
Na Câmara, porém, os próprios líderes partidários estão definindo como esses recursos serão destinados. Há até dirigentes que já começaram a enviar planilhas aos deputados das bancadas para que saibam quanto terão direito de indicar em cada ministério e articular como enviar projetos para as pastas.
A pressão pela liberação de recursos não é nova. Em entrevista à Folha de S.Paulo em março, o líder da União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA), já havia cobrado do governo o desbloqueio da liberação de emendas.
“Havia um acordo para que o RP2 continuasse sendo executado conforme indicado pelo Congresso, mas nos programas que o governo apontava. Quanto mais ágil ele for e conseguir fazer isso rodar, mais ele terá um link de base.”
Segundo relatos feitos à reportagem, nas últimas semanas membros do governo têm sofrido pressões para acelerar a liberação de recursos.
A iniciativa ocorre em um contexto em que a frágil base de sustentação do Executivo petista finalmente começará a ser testada no Congresso, após quase três meses de votações que exigiram pouco esforço para articular os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) .
Esse cenário mudou recentemente, em meio à percepção do governo de que precisará intensificar o esforço para aprovar o arcabouço fiscal que substituirá o teto de gastos e o risco de derrota em algumas medidas provisórias com a volta das comissões mistas.
Além disso, a exoneração do general Gonçalves Dias do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) turvou ainda mais o ambiente político e fez com que o próprio governo passasse a defender a CPI para investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro.
Por outro lado, isso exigirá dos aliados blindagem de ministros e demais autoridades do Planalto durante as audiências que serão realizadas, novamente exigindo forte atuação da base.
Depois de acertar o novo mecanismo de distribuição de recursos ao Congresso via ministérios, o Planalto quer uma forma de divulgar os agentes públicos beneficiados com a distribuição desses recursos.
Não está claro como isso será feito, mas a ideia é que pelo menos os ministérios possam disponibilizar ofícios com o nome dos deputados que patrocinaram determinada quantia.
Com isso, qualquer desgaste recairia sobre os responsáveis por patrocinar os recursos — que podem ser prefeitos, deputados ou senadores. O pano de fundo das preocupações é o histórico de irregularidades e falta de transparência envolvendo as emendas do relator.
Ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) se tornou um dos principais instrumentos para quitar o valor recorde dessas emendas.
Lula tem repetido a aliados que não quer enfrentar outro escândalo como o do mensalão — principal caso de corrupção no primeiro mandato do PT e até hoje motivo de desgaste do partido.
JULIA CHAIB E DANIELLE BRANT
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)