Impopular: carros mais baratos no Brasil começam em torno de R$ 70 mil – Foto: ARQUIVO/AGÊNCIA BRASIL
A retomada do setor automotivo por meio dos carros populares tornou-se uma das principais metas do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). A primeira etapa desse processo será anunciada no dia 25 de maio, data que comemora o Dia da Indústria. Os detalhes ainda estão sendo acertados, mas a Folha apurou que o objetivo é lançar um plano de incentivo para toda a cadeia industrial. O escopo, portanto, vai além do escopo das montadoras.
O anúncio deve ser feito na sede da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). As medidas incluirão linhas de crédito para a indústria de transformação, redução de impostos, aumento do índice de nacionalização de manufaturados e programa de financiamento de veículos. No caso do setor automotivo, as conversas acontecem diretamente entre as montadoras e o governo, sem interferência da Anfavea (associação dos fabricantes). Segundo Márcio de Lima Leite, presidente da entidade, há questões de conformidade envolvidas e, portanto, cada fabricante deve tomar sua decisão.
O foco das medidas será nos carros de entrada, que não devem sofrer grandes mudanças neste momento. O objetivo é reduzir os preços iniciais dos modelos compactos com motor 1.0 para uma faixa entre R$ 50 mil e R$ 60 mil. O carro mais barato vendido hoje no Brasil é o Renault Kwid na versão Zen, que custa R$ 69 mil e é produzido em São José dos Pinhais (PR). Representantes da montadora francesa se reuniram com o ministro do Desenvolvimento e vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB), na semana passada.
“Recebi a diretoria da Renault para discutir propostas que fortalecem o setor automotivo. O presidente Lula está empenhado em restaurar o vigor da nossa indústria automobilística, que é uma grande empregadora”, disse Alckmin em postagem em suas redes sociais. O Kwid provavelmente será o primeiro modelo a se qualificar para o programa de incentivo. Hoje todas as versões do compacto estão equipadas com direção hidráulica e ar condicionado, mas nem sempre foi assim.
No lançamento do carro, em junho de 2017, a opção Life não contava com esses itens. Na época, o preço começava em R$ 30 mil – valor que, corrigido pelo IPCA, equivale hoje a cerca de R$ 41 mil. A inflação no setor automotivo, no entanto, atingiu níveis mais elevados nos últimos anos. Além dos carros evoluirem para atender a padrões mais rígidos de segurança e controle de emissões, a crise econômica e a pandemia fizeram com que as empresas apostassem em veículos mais rentáveis. Nesse cenário, os compactos com maior volume de vendas, mas pouco rentáveis, foram deixados de lado.
O efeito colateral da estratégia são linhas de montagem ociosas. O parque fabril tem capacidade para produzir cerca de 4,5 milhões de automóveis por ano. Foram fabricadas 2,37 milhões de unidades em 2022, número que inclui automóveis de passageiros, comerciais leves, ônibus e caminhões. Para as marcas que não oferecem modelos de baixo custo e não pretendem simplificar seus carros, a expectativa é convencer o governo de que o mais importante é criar formas de reduzir os preços dos carros existentes, alterando a tributação e retirando o mínimo de equipamentos que possível. .
“Um carro arrancado, sem conteúdo, não atende o que o brasileiro quer”, diz Santiago Chamorro, presidente da GM South America, à Folha. A montadora reposicionou seus produtos nos últimos anos, incluindo mais itens de tecnologia e segurança até no compacto Onix (a partir de R$ 84,4 mil). “Na nossa opinião, ao contrário de fazer investimentos para criar um veículo popular com condições que o cliente não deseja, devemos dar a esse consumidor a possibilidade de, dentro do portfólio existente, ter um veículo com melhores condições de acesso.”
Essa ideia deve constar do plano do governo, que não se limitará a modelos de entrada. Dessa forma, haverá redução de preços e financiamento de longo prazo, mas sem a obrigatoriedade de chegar a um valor abaixo de R$ 60 mil para ter acesso aos benefícios fiscais.
Nesse caso, um dos critérios utilizados poderia ser a eficiência energética, que beneficiará modelos menos poluentes. Um dos sinais desse processo é a exclusão da expressão “carro popular” das declarações públicas de representantes do governo e das montadoras. Outro sinal: a Volkswagen adiou a implantação do sistema de layoff (suspensão temporária dos contratos de trabalho) para 800 funcionários da fábrica de Taubaté (interior de São Paulo), antes previsto para começar em junho.
Essa unidade produz o Polo Track (R$ 81.370), modelo que substituiu o Gol como carro básico da marca alemã no Brasil. Com a retirada, o veículo continuará sendo produzido em dois turnos, o que indica uma vontade de aumentar o estoque. Porém, um dos pontos defendidos pelo governo no início das negociações deve ser mudado: a vinculação de benefícios aos carros 100% movidos a etanol.
Além de se preocupar com a aceitação do mercado, as montadoras afirmam que os carros flex agora só podem rodar a álcool. Qualquer outra mudança exigiria novos investimentos, que não estão nos planos das empresas. Parte do que foi gasto nos últimos anos na evolução dos modelos ainda está sendo amortizado no país, e as fabricantes não pretendem dedicar um ciclo exclusivo de aportes à produção de carros considerados menos rentáveis. Por serem multinacionais, as empresas do setor estão focadas no processo de eletrificação global.
Mas é possível que o pacote a ser apresentado pelo governo inclua incentivos à produção local de carros híbridos e elétricos, algo que interessa às montadoras. Em abril, a Toyota anunciou um investimento de R$ 1,7 bilhão para produzir um novo SUV compacto no Brasil, que será movido a gasolina, etanol e eletricidade. Todo esse pacote, porém, esbarra no problema da renda média brasileira, ainda mais achatada pela combinação da crise econômica com a pandemia. A tempestade perfeita é complementada pelo atual nível da taxa básica de juros e por um aumento persistente da inadimplência.
Segundo a Anef (Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras), os atrasos de pagamento superiores a 90 dias chegaram a 5,9% dos contratos, o que representa um aumento de 1,5% em relação a 2021. desafio para o setor financeiro: oferecer taxas atrativas para pessoas físicas sem implicar riscos de crédito. Uma das ideias para contornar o problema é usar o FGTS como garantia.
Dessa forma, o dinheiro não seria efetivamente utilizado para a compra do carro, mas poderia ser acessado pelos bancos em caso de inadimplência. O tema ainda está em discussão e não se sabe se fará parte do pacote de incentivos. Todas as medidas visam impulsionar as vendas no varejo, mas os carros mais baratos devem acabar nas frotas de aluguel de carros. Esses modelos seriam procurados, por exemplo, por motoristas de aplicativos que aderem a programas de assinatura de longo prazo. No último mês foram registradas 160,7 mil unidades, sendo as locadoras os principais clientes. As empresas do setor compraram 47 mil veículos em maio. (EDUARDO SODRÉ – FOLHAPRESS)