Justiça Federal condena grupo que defendia ‘kit Covid’ a pagar R$ 55 milhões

Ivermectina foi recomendada em publicidade considerada irregular pela Justiça – Foto: Divulgação/TV Vanguarda
A Justiça Federal do Rio Grande do Sul condenou, em duas ações, o grupo autointitulado “médicos do tratamento precoce Brasil”, que incentivava o uso de medicamentos que fariam parte de um suposto tratamento precoce contra a Covid-19.
As ações foram movidas pelo MPF (Ministério Público Federal). O grupo deve pagar R$ 55 milhões por danos morais coletivos à saúde pela publicação de material publicitário intitulado Manifesto pela Vida. Na matéria havia até indicação de médicos que prescreveram o chamado ‘kit Covid’.
Os anúncios de fevereiro de 2021 foram publicados na Folha e nos jornais O Globo, Estado de Minas e Zero Hora, entre outros. No dia seguinte, a Folha publicou reportagem sobre propagandas que defendiam o uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19.
Produtora do ‘kit Covid’ pagou por anúncios de associação pró-tratamento precoce Nas sentenças, o grupo Médicos Pela Vida (Associação Dignidade Médica de Pernambuco – ADM/PE), Vitamedic Indústria Farmacêutica, Centro Educacional Alves Faria (Unialfa) e Grupo José Alves (GJA Participações) foi condenada a pagar R$ 55 milhões.
Em uma das ações, o valor do pagamento imposto pela Justiça foi de R$ 45 milhões e, na outra, a condenação foi de R$ 10 milhões.
A Folha procurou todos os envolvidos, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
No material divulgado, a associação – sediada em Recife e que também é formada por médicos registrados no Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul – apontou os possíveis benefícios do chamado tratamento precoce da Covid-19, divulgando os remédios.
Segundo o MPF, a divulgação não continha indícios de possíveis efeitos adversos que podem advir do uso desses medicamentos, além de possivelmente incentivar a automedicação, uma vez que foi indicada pela associação médica.
Ainda segundo o MPF, a publicação infringe a legislação e os atos normativos que tratam da propaganda e publicidade de medicamentos. “Resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), por exemplo, determina que informações sobre medicamentos devem ser comprovadas cientificamente, o que não ocorre com os listados no manifesto quando aplicados a casos de Covid-19”, diz o MPF.
Para a juíza, ficou comprovada a cumplicidade entre a Vitamedic e a Associação Médicos Pela Vida, com a farmacêutica financiando propaganda irregular, investindo R$ 717 mil nessa propaganda, como inclusive admitiu o diretor da Vitamedic – fabricante do medicamento ivermectina – em depoimento no CPI da Covid.
Segundo o magistrado, “é evidente que o manifesto pela vida foi um mecanismo de propaganda ilícita de um laboratório fabricante de medicamentos, servindo a ré do triste papel da laranja para fins desnecessários e violadores de valor fundamental, a proteção da saúde pública”.
Ao justificar o valor imposto nas sentenças, o magistrado argumenta que “a propaganda ilícita pura e pura de medicamentos, pelos riscos de seu uso irracional, já representa um prejuízo à saúde pública e sua essencialidade impõe a devida reparação”.
Por fim, ao analisar a participação da Anvisa no caso, a Justiça Federal reconheceu a atuação ilícita do órgão ao não ter autuado a associação para aplicação das penalidades previstas na ação, mas afirmou que o valor da indenização na sentença supera o que poderia ser imposto pela Anvisa no exercício de seu poder de polícia e na punição da publicidade indevida.
FRANCISCO LIMA NETO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)