Deputada Cristiane Dantas (Solidariedade) fala em audiência sobre o assunto — Foto: João Gilberto/ALRN
A discussão sobre a possível cobrança de taxa pelo uso da água bruta no território do Rio Grande do Norte não agradou os deputados estaduais, principalmente os da oposição. O tema da tributação foi revelado pela primeira vez pelo Agora RN no último sábado, 6, em reportagem que mostrou a intenção do Governo do Estado de regulamentar uma lei que prevê o pagamento por quem usa água bruta, que é aquela sem tratamento, como aquela que vem dos rios e nascentes.
Na avaliação da deputada Cristiane Dantas (SDD), falta diálogo do governo com a população. Ela acrescenta que tomará as medidas legais necessárias para combater o que chamou de “proposta abusiva”, que, a seu ver, prejudicará setores como fruticultura irrigada, plantio de cana-de-açúcar, beneficiamento de couro, cerâmica, mineração, entre outros. outros.
“Para as indústrias, que têm a água como insumo essencial, a taxa de saque é de quarenta e cinco centavos por metro cúbico de água. É um projeto de lei pesado, que inviabiliza a agricultura, os produtores e a pequena indústria em nosso Estado”, repudiou o parlamentar.
O tema gerou preocupação entre os deputados e a classe produtiva. Diante disso, o deputado propôs uma audiência pública, que foi realizada na última quarta-feira, dia 10, na Assembleia Legislativa. Durante o evento, o parlamentar ilustrou a possível tributação com o exemplo de um produtor rural do município de Serra Negra do Norte.
“Este pequeno produtor tem 12 hectares de terra e cultiva mandioca, milho e feijão. Sua plantação é irrigada com um poço cavado e instalado com recursos próprios, pois a distribuição de água pela Caern não chega até lá. De acordo com o projeto de decreto, ele terá que pagar pelo uso da água do poço em seu terreno. Ou ele paga essa conta ou não vai poder usar aquela água que o Estado vai começar a apropriar”, criticou.
Também presente na audiência, o deputado estadual Gustavo Carvalho (PSDB) também se posicionou contra a intenção do Governo do Estado. “Nosso Estado tem um grande potencial, sendo o maior produtor e exportador de sal, grande produtor de frutas, tem força na carcinicultura. E por que a referência aqui foi à Paraíba? Porque eles têm buscado ajudar os empresários lá, ao contrário do que é feito aqui. Devemos buscar o desenvolvimento de forma justa, tributando os gigantes e esquecendo os pequenos.”
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do RN (Faern), José Vieira, criticou os valores que poderiam ser cobrados com a instituição da medida, bem como a falta de atenção aos resíduos da própria Caern. “Seremos cobrados pela água salobra, que não é utilizada. Por água de poço, no período de inverno, em 25%; no período seco, esse valor será de 50%. Ou seja, ao invés de ajudar, num momento mais difícil, o governo vai atrapalhar. E acho engraçado que ninguém discuta o desperdício da Caern, que chega a 48%”, desabafou.
O representante dos produtores também falou sobre as dificuldades do setor, revelando que nos últimos dez anos o número de produtores rurais caiu de 87 mil para 63 mil. “O governo diz que quem produz e quem gera empregos deve ser responsabilizado. É assim que ele está tratando o setor produtivo. Se a professora Fátima, de origem popular, tomar essa atitude, ela será conhecida como a ‘catadora de água’. E isso é muito triste, porque ao invés de discutir desenvolvimento, programas e projetos, estamos aqui apelando para que o setor produtivo deixe de ser tributado”, lamentou o empresário.
O líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Francisco do PT, disse que parte do setor produtivo potiguar é favorável à cobrança de taxa pelo uso da água bruta no território do Rio Grande do Norte.
“Essa lei já estava para ser regulamentada. Outros estados vizinhos já regulamentaram a lei, segmentos do setor produtivo que utilizam água bruta, principalmente para irrigação, já se posicionaram, inclusive a favor, exigindo que o Governo do Estado a regulamente. É evidente que também tem uma parcela que é contra, que não quer isso, o que é normal, faz parte do processo democrático”, disse Francisco do PT ao Agora RN.
Questionado, o petista não informou quais seriam os setores favoráveis à cobrança pelo uso da água bruta. “Há uma parte do setor que é favorável, porque a água é um bem finito e há um custo para essa água chegar ao setor produtivo”, acrescentou.
A discussão é antiga, mas estava adormecida há 27 anos. Existe uma lei aprovada pela Assembleia Legislativa do RN em 1996, popularmente chamada de “Lei das Águas” (Lei 6.908), que nunca foi regulamentada, função que cabe ao Governo do Estado. Agora o executivo quer retomar a discussão, que preocupa os produtores.
O líder do governo na Assembleia explicou ainda que a taxa prevista na Lei das Águas foi instituída por legislação federal e estadual desde 1996. O parlamentar acrescenta ainda que os pequenos produtores rurais, ou seja, aqueles que consomem até 120 mil litros de água por dia, estarão isentos da taxa. “A questão não é mais ser a favor ou contra, porque a lei já existe, basta cumpri-la”, declarou o deputado.
Durante a audiência, o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Paulo Varella, explicou que a água passou a ser um bem público após a Constituição de 1988, que determinou a criação de uma Política de Recursos Hídricos, resultando na criação do Programa Nacional de Águas Lei, de 8 de janeiro de 1997.
“Esta lei explica que a água tem valor econômico e estabelece que ela deve ser cobrada para dar sustentabilidade financeira e eficiência econômica, estimulando a racionalização”, explicou, lembrando que o governo tem dialogado com os setores produtivos e entidades representativas, como o Fiern e Fecomércio.
“Não queremos impor nada. O decreto ainda está em construção e sairá quando a sociedade fechar”, garantiu o assessor do governador.
O secretário estadual de Agricultura, Pecuária e Pesca, Guilherme Saldanha, disse que a cobrança foi uma recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU), que afirmou que só aprovaria a transposição do São Francisco para os estados que aplicam a cobrança. de água; e a Agência Nacional de Água e Saneamento Básico (ANA), por meio de resolução, sob o mesmo argumento. “Assim, a cobrança pela água é exigida por lei, sob pena de o governador ser acusado de improbidade”, ressaltou.
Setores produtivos reclamam de possível tributação
Segundo Hermano Neto, presidente da Associação dos Plantadores de Cana-de-Açúcar do RN (Asplan), a eventual tributação da água inviabilizará principalmente agroindústrias no Estado. “A irrigação da cana é extremamente sazonal, ou seja, não é feita o ano todo. Mas mesmo assim, vamos pagar por isso. E, para deixar claro, nosso setor canavieiro nunca foi cobiçado, mesmo sendo talvez o setor que mais gera empregos no estado”, criticou.
A presidente da ONG Navima, Rosimeire Dantas, disse que, no ano passado, a minuta do decreto foi levada para ser discutida nos Comitês de Bacias Hidrográficas e, na ocasião, seu grupo decidiu ser contra a proposta.
“Se observarmos, nem todas as bacias têm seus respectivos comitês, então começa aí a grande deficiência do Estado, porque nem todos têm representatividade. Então, como você quer cobrar assim, sem a participação de todos os envolvidos? Por isso, o Comitê Pitimbu discutiu e chegou à conclusão de que a cobrança, neste momento, é inviável e vai afetar demais o setor produtivo”, opinou.
Para onde o dinheiro vai? Segundo o secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, Paulo Varela, a cobrança servirá para garantir que as barragens sejam mais bem preservadas e que mais investimentos sejam feitos na área produtiva.
“Esses recursos vão financiar estudos, projetos, programas de incentivo; custeará atividades administrativas e obras hídricas, como a construção e manutenção de barragens e poços”, destaca.