Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva — Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A onda de invasões do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) nos últimos dias irritou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e atrasou o cronograma de anúncio da retomada das políticas de reforma agrária no país. O chefe do Executivo teme que as ações causem desgastes para o governo, principalmente com o agronegócio, e convocou uma reunião nesta quinta-feira (20) com ministros para tentar superar a crise.
Havia também o temor de que esse movimento atrapalhasse o andamento de agendas de interesse do governo Lula no Congresso, como a aprovação da medida provisória que leva a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) à tutela do Ministério do Desenvolvimento Agrário, deixando o pasta da Agricultura. Os governistas que mantêm diálogo com o MST criticam as invasões e argumentam que a iniciativa, afinal, poderia ter o efeito contrário: ao invés de pressionar o governo, poderia atrasar a retomada das políticas de reforma agrária no país.
Dirigentes petistas afirmam que o MST sempre foi um parceiro importante do partido, mas nos bastidores reclamam da postura adotada desde o início do terceiro governo Lula. A avaliação é de que o Executivo tem enfrentado uma série de desafios, como no caso da invasão das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro, e que não seria correto um aliado abrir uma nova frente de crise.
Em conversas com o governo, o MST defende que é papel do movimento pressionar para que a reforma seja uma prioridade de fato do Executivo.
Integrantes do movimento fazem uma comparação com a postura adotada pela militância petista e pela presidente da sigla, deputada Gleisi Hoffmann (PR). A sigla tem pressionado o Executivo, principalmente a equipe econômica, a não adotar medidas de austeridade fiscal com o objetivo de obrigar o governo a ter uma postura mais esquerdista. No caso do MST, dizem, é preciso fazer uma mobilização semelhante para evitar que o agronegócio ganhe o debate e tenha prioridade nas políticas públicas do Palácio do Planalto em detrimento das ações de redistribuição de terras.
Segundo aliados de Lula, havia um plano maduro para anunciar a nova reforma agrária ainda em abril. As atitudes do MST, porém, perturbaram o ambiente. Além da reforma, o movimento tem uma série de demandas para negociar com o governo. No entanto, desde o momento em que invadiram as sedes da Suzano, no Espírito Santo, e da unidade da Embrapa, em Pernambuco, os ministros avisaram que só retomariam qualquer conversa se saíssem das áreas.
Na quarta-feira (19), o ministro Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) foi ao Congresso para conversar com lideranças da Câmara e do Senado e informar que o MST deixaria as áreas da Embrapa e Suzano. O objetivo foi conversar com os parlamentares sobre a aprovação da MP que levou a Conab ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Nesta quinta-feira (20), Lula convocou uma reunião para discutir o assunto. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, iria participar de um evento em Londres, mas teve que cancelar sua participação porque havia sido convocado pelo presidente para discutir a crise gerada pelas invasões do MST.
Em outra frente, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) decidiu reunir-se com integrantes da coordenação nacional do MST. Em pauta, estava o pedido de liberação de recursos para a reforma agrária e outros temas de interesse do movimento. Após o encontro com o ministro da Fazenda, João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, disse que a crise política envolvendo as invasões de terras foi tratada de forma secundária.
O coordenador afirmou que o encontro com Haddad foi proveitoso em relação às reivindicações do movimento e que não houve pressão para interromper ou diminuir o ritmo das invasões. Ele afirmou ainda que o ministro da Fazenda pediu expressamente a evacuação da área invadida da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em Petrolina (PE).
A Justiça Federal determinou que os sem-terra desocupassem a fazenda da Embrapa no interior de Pernambuco. A decisão judicial dá prazo de 48 horas, a partir da notificação, para deixar a área. Além da reação negativa do agronegócio, o governo também está preocupado com as críticas ao MST vindas da classe política, inclusive de aliados.
Em Londres, no evento do Lide, entidade criada pelo ex-governador João Doria, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), aliado do PT, repreendeu os sem-terra. “Quando o movimento ocupa uma sede da Embrapa, perde apoio político, ou quando ocupa uma sede do Incra. O momento exige uma reflexão do movimento e um processo mais acelerado na área de política agrária”, afirmou.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), afirmou que as invasões têm um claro sentido político e não uma expectativa de obtenção de conquistas reais. “Eles [MST] eles têm que rever o que querem. Não parece fazer sentido invadir uma área produtiva, pois é lógico que eles serão retirados de lá. Me parece ser muito mais uma ação política do que ter um resultado prático”, afirmou.
O emedebista Helder Barbalho, governador do Pará, disse que é preciso aliar o combate às ilegalidades às políticas de reforma agrária.
“É fundamental para o Brasil ter tranquilidade no campo, segurança jurídica, propriedade da terra. Por um lado, qualquer ilegalidade deve ser combatida. Por outro lado, o governo brasileiro deve instituir, junto com os estados, políticas de reforma agrária que não só garantam a terra, mas também permitam a produção para essas localidades”, declarou. Outra política de esquerda, a ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, disse que deve haver racionalidade e diálogo político. “Precisa de racionalidade, de interlocução política, mas sem invadir terreno público, patrimônio”, disse.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) afirmou que as invasões são contrárias à lei, “e tudo o que for contrário à lei deve ser coibido e evitado”. “O governo está empenhado em reprimir esse tipo de atitude e buscar sentar à mesa para poder negociar”, afirmou. A reforma agrária sempre foi um dos principais objetivos do PT, que historicamente foi aliado do MST. Quando Lula foi preso, por exemplo, lideranças do movimento participaram do acampamento em frente à Polícia Federal em Curitiba e classificaram as condenações do petista como perseguição política. O jornalista Fábio Zanini viajou a convite do Lide. (JULIA CHAIB, MATHEUS TEIXEIRA, FÁBIO ZANINI E JOELMIR TAVARES – FOLHAPRESS)