Fachada do Ministério da Saúde na Esplanada dos Ministérios / Foto: Agência Brasil
O Ministério da Saúde fechou contratos no valor de R$ 392,2 milhões para a compra de lotes não registrados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de insulina e imunoglobulina, dois medicamentos considerados estratégicos para o SUS.
A pasta diz que foi obrigada a buscar os produtos fora do país devido ao estoque escasso e à dificuldade de comprar no mercado interno. Afirma ainda que segue a legislação sanitária e exige, entre outros pontos, que o produto seja certificado por órgãos reguladores de outros países.
O governo Jair Bolsonaro (PL) também recorreu à compra de imunoglobulina sem o registro da agência brasileira. Embora esse procedimento não seja novo, associações de pacientes e médicos temem receber medicamentos desconhecidos e de baixa qualidade.
A Anvisa concede os registros após avaliar estudos sobre segurança, qualidade e eficácia dos produtos, além de fiscalizar as instalações de empresas farmacêuticas espalhadas por diversos países.
Coordenadora da Coalition Voices of Advocacy on Diabetes and Obesity, Vanessa Pirolo diz que os pacientes estão “muito preocupados” com a compra de insulina. Há um receio, segundo ela, de quais resultados ou reações adversas o produto pode apresentar.
“A Anvisa é uma agência séria. Ficamos confiantes quando ela deu o aval para um medicamento”, diz Pirolo.
Os pacientes ainda temem que o ministério repita erros nas compras feitas com distribuidores, ou seja, que não sejam firmadas diretamente com as farmacêuticas ou representantes oficiais.
Em um dos casos mais traumáticos, a Saúde tentou importar, sem anuência da Anvisa e do fabricante, produtos para doenças raras. Adquiridos em 2017 e 2018, esses medicamentos nunca foram entregues pela contratada.
“Esse não é o caso [na compra atual]. Temos contato com a empresa e com o fabricante”, disse à Folha Leandro Pinheiro Safatle, diretor do Departamento do Complexo Econômico Industrial do Ministério da Saúde.
Para Safatle, as dificuldades de compra reforçam a necessidade de investir na produção nacional de medicamentos, inclusive por meio de laboratórios públicos.
Membros da Saúde reservadamente reconhecem que já há falta de medicamentos em alguns locais, mas dizem que agem para reduzir danos aos pacientes.
Safatle afirma que o governo federal autorizou os estados a comprar insulina e reivindicar o reembolso do ministério; ele também aconselhou os gerentes a realocar os estoques para locais com menos oferta.
Os contratos emergenciais foram referendados pelo TCU (Tribunal de Contas da União). O STF (Supremo Tribunal Federal) ainda manteve a compra de imunoglobulina. As importações aguardam aprovação da Anvisa.
A discussão sobre a aquisição de medicamentos não registrados no Brasil é entre o governo e a indústria nacional, que se diz prejudicada por disputar contratos com importadores que não precisavam submeter o produto ao escrutínio do órgão sanitário.
Segundo especialistas do setor, o processo de registro e o compromisso de monitorar o produto no mercado podem elevar o preço de venda.
“Tanto no caso da imunoglobulina quanto no caso da insulina temos produtores no Brasil”, disse o presidente-executivo do Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos), Nelson Mussolini.
“Entendemos que, para fortalecer o complexo industrial da saúde, é preciso seguir as normas regulamentadoras da Anvisa. Importar produtos sem registro coloca em risco a população brasileira”, declarou Mussolini.
A compra não registrada mais cara de imunoglobulina foi dividida entre duas empresas.
Uma delas, a Auramedi, tem poucos negócios com o Sindicato. Segundo dados do portal da transparência, a empresa recebeu cerca de R$ 21 mil em todos os contratos já firmados com o governo federal.
Agora, a empresa sediada em Aparecida de Goiânia, em Goiás, entregará lotes de imunoglobulinas compradas pelo governo por R$ 285,8 milhões.
Segundo a empresa, o produto é fabricado pela farmacêutica chinesa Nanjing Pharmacare, mesma empresa que forneceu a maior parte da imunoglobulina comprada pelo SUS nos últimos anos, também em contratos emergenciais.
Além disso, a empresa diz ter um atendimento telefônico para pacientes com dúvidas sobre o produto ou reações adversas.
Outra parcela da imunoglobulina, no valor de R$ 87,63 milhões, será entregue pela Prime Pharma LLC, representada no Brasil pela empresa Farma Medical, de Manaus, Amazonas.
Em nota, a empresa brasileira afirma ter vendido aproximadamente R$ 70 milhões em imunoglobulina para hospitais federais, estaduais e municipais em 2022. O produto adquirido pelo Ministério da Saúde, segundo a empresa, é fabricado pelo laboratório chinês Harbin Pacific , certificado pela agência de saúde local.
A imunoglobulina é usada, por exemplo, no tratamento de pessoas com o vírus HIV e imunodeficiências. Desde 2018, o governo acumula compras frustradas e disputas na Justiça e no TCU sobre o produto.
A compra das canetas de insulina analógica de ação rápida custou R$ 18,8 milhões.
Conforme revelou a Folha, o governo corre o risco de desabastecimento desse produto no SUS, que chegou a ter lotes descartados pelo governo Bolsonaro por causa do fim da validade.
Escolhida para o contrato, a Globalx afirma que a fabricante do medicamento usado no controle do diabetes é a chinesa Gan&Lee. A mesma farmacêutica tem outro tipo de insulina registrado no Brasil, a glargina, além de uma fábrica certificada pela Anvisa.
O contrato da insulina é assinado por Freddy Rabbat, empresário que também atua no mercado de artigos de luxo.
Durante a pandemia, o governo distribuiu máscaras consideradas ineficientes pela Anvisa, compradas por outra empresa representada pela Rabbat.
Em nota, a Saúde diz que chegou a abrir processo administrativo por causa do contrato de máscara, mas considerou que a empresa não deve ser penalizada, “uma vez que a documentação nos autos demonstra inequivocamente que todos os artigos avariados foram substituídos”.
A Globalx afirma que deve solicitar o registro da insulina na Anvisa, para passar a fornecer regularmente o produto ao SUS. Na mesma nota, nega irregularidades no fornecimento de máscaras e diz não haver ligação entre estas compras.