O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse em evento em Londres nesta sexta-feira (21) que o timing técnico da instituição no debate sobre a queda dos juros é diferente do político. Ele também defendeu a manutenção da autonomia da agência. “O Banco Central é um órgão técnico, que toma decisões com base em critérios técnicos e transparentes. O timing técnico é diferente do timing político, por isso a autonomia é importante, para dar à sociedade a garantia de que temos funcionários técnicos tomando decisões técnicas, sem viés político”, declarou, durante palestra em evento do Lide, entidade criada do ex-governador de São Paulo João Doria.
A fala teve o objetivo de responder a um discurso feito no mesmo evento na véspera pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que de forma contundente e diante do presidente do BC cobrou a redução imediata da taxa Selic , atualmente em 13,75%. Apesar de reconhecer a pressão sobre o BC, Campos Neto afirmou não considerar que a autonomia da instituição esteja ameaçada. “Não é [ameaçado]. O debate sobre juros é normal, é meu papel explicar o que o Banco Central faz”.
Munido de gráficos e dando razões técnicas para o nível de juros, Campos Neto disse que a omissão do BC sobre o assunto sairia muito mais cara para a sociedade do que o aumento das taxas para combater a inflação. “O custo de combater a inflação é alto, mas o custo de não combater a inflação é muito maior e perene”, afirmou.
Campos Neto tem sido bombardeado por diversos atores políticos, principalmente ligados ao PT, por causa dos juros. Para rebater as críticas, ele usou o exemplo de um país governado por um aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Argentina. “A inflação brasileira e argentina foram semelhantes, e a da Argentina disparou, com o abandono da meta de inflação e a autonomia do Banco Central. É um preço muito alto que a Argentina está pagando até hoje”, declarou.
Outro antiexemplo citado por ele foi a Turquia, que baixou os juros e agora enfrenta crises de crédito e pobreza. “Na Turquia, o sistema de metas foi abandonado, a inflação estava subindo, a moeda foi desvalorizada em mais de 100%. Para quem acha que juros negativos são moles, basta ver o caso da Turquia, que teve aumento da pobreza”, declarou.
Campos Neto estimou que, se o BC não tivesse agido contra a ameaça inflacionária no momento certo e precisasse correr atrás do prejuízo, a taxa de juros hoje poderia estar em torno de 18%. “Se não tivéssemos aumentado os juros, a inflação hoje não seria de 5,8%, seria de 10%. Teríamos juros de mais de 18%, colocando o país em uma recessão de 3 a 4%. Foi o que aconteceu no passado quando o país tentou baixar os juros sem ter credibilidade”, afirmou.
Em sua apresentação, ele se preocupou em reforçar a mensagem de que a inflação é um mal maior para a sociedade do que os juros, pois aumenta a desigualdade e penaliza os mais pobres. “A missão do Banco Central de garantir o combate à inflação é muito importante. Precisamos passar a mensagem de que a inflação é um imposto regressivo. Quem tem dinheiro se protege, quem não tem não se protege”, disse.
Para demonstrar que a atuação do BC é técnica e que a autonomia é fundamental, Campos Neto disse que o órgão fez um aumento significativo dos juros em 2022, mesmo sendo ano eleitoral.
“O BC fez a maior alta de juros em ano eleitoral, talvez na história do mundo. Na política monetária, quando agimos antecipadamente, o custo é menor”, afirmou. Campos Neto também declarou que a inflação brasileira está atualmente abaixo da taxa de outros países do mundo. Ele também refutou a acusação de que haveria apenas inflação de oferta, ou seja, sem causas estruturais.
“Dizem que a inflação é do lado da oferta e não precisa dessa taxa de juros. Isso não é o que acontece. Inflação é demanda”, disse.
Ele também reforçou as credenciais sociais do Banco Central, discurso que vem repetindo como antídoto às acusações do PT de ser um infiltrado bolsonarista. “O BC não tem uma preocupação social? Claro que sim. Nossa maior preocupação é com o bem-estar das pessoas”, afirmou, citando como exemplos de ações do órgão o aumento do microcrédito, maior acesso da população de baixa renda ao sistema bancário e a criação do Pix.
Em outro aceno ao governo, o presidente do órgão voltou a enaltecer a proposta do quadro fiscal, dizendo que está no “caminho certo”. “O que tenho dito é que o quadro elimina o risco de cauda, que a trajetória da dívida vai subir muito, e insere critérios realistas”, afirmou. Ele reconheceu que há dificuldade no Brasil para cortar custos, como vem sendo exigido por setores do mercado. “Analisei os gastos dos últimos 25 anos e a verdade é que o Brasil tem muita dificuldade de cortar. Quando há cortes, são conjunturais e não estruturais. Exigir que o governo não faça grandes cortes no curto prazo parece injusto”, declarou. O jornalista Fábio Zanini viajou a convite do Lide. (FÁBIO ZANINI – FOLHAPRESS)