PL das Fake News tem sido motivo de muitos debates e polêmicas – Foto: Pedro França / Agência Senado
O parecer do PL de notícias falsasapresentado na noite da última quinta-feira (27) pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP), já está repercutindo entre algumas das mais de 100 organizações da sociedade civil e entidades acadêmicas que compõem a Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD).
Uma dessas entidades é o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social. Segundo a coordenadora-executiva da entidade, Ramênia Vieira, documento detalhado sobre o parecer apresentado para o PL do notícias falsas será lançado em breve. Ela, porém, avançou Agência Brasil algumas críticas ao texto. Entre eles, a questão da imunidade parlamentar, que pode se estender a conteúdos publicados por deputados e senadores nas redes sociais e em mensagens privadas.
“Já percebemos que, dentro da Câmara dos Deputados, é muito difícil debater esse tema”, afirmou. Ela afirmou que essa garantia de imunidade cria uma categoria de usuários acima do restante da população. “Parece uma autorização para os parlamentares, que são grandes propagadores da desinformação, continuarem usando suas redes para distribuir essa desinformação”, acrescentou.
religiões
Ramênia também chama a atenção para outro ponto que, segundo o Intervozes, preocupa: a possibilidade de criação de “imunidade religiosa”. Algo que, segundo ela, tem origem na recente “campanha de desinformação” que usou as redes sociais para espalhar a falsa notícia de que trechos da bíblia seriam banidos das redes sociais.
“Vemos com preocupação essa imunidade religiosa, pois poderia ser usada para justificar discursos religiosos em ataques a comunidades LGBTQIA+, religiões de nuances africanas e contra o movimento negro, entre tantos outros grupos, como já vemos nas redes sociais”, explicou. . Em seu artigo 1º, o projeto garante a livre manifestação religiosa, entre outras formas de manifestação, como artística e política.
Limitações
Coordenadora do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, Maria Mello diz que o projeto se limita ao escopo de redes sociais, ferramentas de busca e mensagens instantâneas, e que, dessa forma, acaba excluindo “outros produtos e serviços digitais que possam conter padrões enganosos e manipuladores”, como dispositivos inteligentes, sites e jogos eletrônicos, muito voltados para crianças e adolescentes.
órgão regulador
Sobre a questão do órgão regulador, o Intervozes é a favor de “um mecanismo regulador; uma entidade reguladora que seja autónoma, e que seja criada precisamente para o efeito”, uma vez que não existe atualmente nenhuma entidade com “formação técnica e cuidados para ser um órgão de direitos digitais realmente eficaz”. A previsão para a criação desse órgão, porém, não constava do relatório de Orlando Silva.
“Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] já tem vários problemas como autoridade reguladora de telecomunicações no Brasil, e não tem essa expertise para regulação da internet. É por isso que a excluímos completamente desse papel”, acrescentou.
A avaliação de que a Anatel não deveria exercer esse papel como órgão regulador é corroborada pela Coalizão dos Direitos da Rede, entidade que também faz parte da SAD.
Segundo a integrante da Coalizão – e presidente do Instituto de Pesquisas em Direito e Tecnologia do Recife – Raquel Saraiva, a Anatel tem “falha recorrente” no cumprimento de suas atribuições no setor de telecomunicações.
Além disso, acrescentou, “a Anatel tem sido historicamente resistente à participação da sociedade civil, o que é incompatível com o modelo multissetorial e colaborativo de governança da internet no país”.
“Atribuir a regulação das plataformas a esta agência pode agravar o cenário, prejudicando o avanço significativo da conectividade no Brasil e fazendo com que os interesses econômicos das plataformas e das empresas de telecomunicações prevaleçam sobre os interesses dos usuários”, acrescentou.
Conquistas
Na avaliação do Intervozes, o texto, de maneira geral, “vem com várias conquistas importantes”. Ramênia Vieira citou, por exemplo, a questão da transparência dos procedimentos.
“Percebemos que o relator do projeto fez um ótimo trabalho ao dar maior transparência ao cidadão. Também dá mais poder de reivindicação com as plataformas, porque hoje não há nada nesse sentido. O cidadão não tem a quem recorrer e não tem direito de recurso. E não há transparência de moderação para saber os motivos da remoção do conteúdo. Acho que o relator conseguiu melhorar e mitigar alguns dos problemas que existem”, concluiu.
Maria Mello, do Instituto Alana, destaca que em relação ao tema criança e adolescente, o atual texto é “muito bem-vindo” por apresentar parâmetros positivos de atendimento à criança e por adotar medidas que garantam a privacidade, proteção de dados e segurança deste público.
O texto do parecer prevê, segundo ela, a possibilidade de proibir a criação de perfis comportamentais de crianças e adolescentes usuários. “Adoção e aperfeiçoamento de sistemas de verificação de idade; o desenvolvimento e promoção de ferramentas de controle parental; denunciar abusos e buscar apoio de crianças e adolescentes também são pontos positivos”, acrescentou.
A Agência Brasil contactou outras entidades ligadas à Sala de Articulação contra a Desinformação. Informaram que o parecer do Projeto de Lei notícias falsas está sendo avaliado e que, em breve, novas manifestações serão apresentadas.
Relatório
Na véspera da apresentação do parecer, as entidades divulgaram um documento conjunto sobre a regulamentação das plataformas digitais no Brasil, no qual apresentam seis pontos considerados essenciais para a construção de um “ambiente digital democrático, seguro e saudável”.
O maior destaque foi dado à necessidade de criação de um “órgão regulador independente e autônomo” – que acabou sendo retirado da atual versão apresentada por Orlando Silva, para evitar maiores dificuldades no trato do assunto.
Entre as reivindicações das entidades membros da SAD encontram-se também o alargamento dos requisitos de transparência das plataformas digitais; a responsabilidade dos provedores de conteúdo impulsionado; exigir obrigações específicas para violência política e desinformação socioambiental; ações de promoção da educação; e avanços na regulação econômica.