Segundo o relatório, divulgado no mês passado, o número de democracias plenas no mundo caiu de 44 em 2009 para 32 em 2022 – Foto: LULA MARQUES/AGÊNCIA BRASIL
Os níveis globais de democracia caíram em 2022 para níveis inferiores aos de 1986 e o número de estados governados por ditaduras ultrapassou o número de democracias plenas pela primeira vez desde 1995, de acordo com um relatório anual sobre democracia do instituto sueco V-Dem , ligado à Universidade de Gotemburgo.
A pesquisa é considerada referência na mensuração dos níveis de regimes políticos no mundo e os divide em quatro vertentes: democracias plenas, democracias imperfeitas, autocracias eleitorais e ditaduras. Para classificar mais de 180 países nesses critérios, o instituto avalia itens como liberdade de imprensa, independência entre os poderes, repressão policial e integridade do sistema eleitoral, entre outros.
Segundo o relatório, divulgado no mês passado, o número de democracias plenas no mundo caiu de 44 em 2009 para 32 em 2022. O número de ditaduras, que em 2012 estava em seu menor número – 22 -, subiu para 33. países como Nicarágua, China e Coreia do Norte.
O estudo também descreve o crescimento de outros tipos de regime, as chamadas democracias falhas e autocracias eleitorais. Esses governos são uma espécie de modelo híbrido, no qual há características de regimes autocráticos e democráticos ao mesmo tempo.
Embora houvesse apenas 16 democracias fracassadas na década de 1970 e 58 hoje, havia 35 autocracias eleitorais naquela década e 56 hoje. Exemplos de autocracias eleitorais são a Hungria e a Polônia, e democracias fracassadas no Brasil e na África do Sul.
Em termos populacionais, a pesquisa mostra que 72% do planeta vive hoje em países não democráticos, sejam eles autocracias eleitorais ou ditaduras. Esse número é impulsionado pela China, uma ditadura comunista de 1,3 bilhão de pessoas, e especialmente pela Índia, que recentemente se tornou o país mais populoso do mundo e experimentou um declínio democrático sob o governo do primeiro-ministro Narendra Modi.
CRISES. A conjugação das sucessivas crises migratórias na América Latina, Caraíbas, Europa de Leste e Ásia Central, a pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, bem como a crescente polarização política nos países ocidentais, são apontadas por analistas ouvidos pelo Estadão como as principais razões para esta queda.
“O que vemos agora é que a oferta autocrática é mais popular do que a liberal. As vitórias eleitorais das forças antidemocráticas em sistemas democráticos não podem ser explicadas pela ignorância do eleitor, nem pela falsa consciência ou que os eleitores são ‘deploráveis’”, aponta o professor da Universidade Centro-Europeia de Viena, Andrea Peto. “O nível de democracia é um teste decisivo que sinaliza mudança no eleitorado e também no desejo por um tipo diferente de política.”
Segundo o professor, a tendência autocrática global parece indicar um novo entendimento sobre os modos de governança. “O termo mudança dos tempos, que ficou famoso por causa de uma declaração do chanceler da Alemanha, Olaf Sholtz, reflete o entendimento de que nada do que consideramos verdadeiro e parece estar funcionando é mais o mesmo. E isso inclui o conceito de democracia, que foi capturado em vários países por forças iliberais, esvaziando, instrumentalizando e valorizando instituições e conceitos nesta nova guerra fria.”
Segundo o estudo, nove países se tornaram ditaduras nos últimos dois anos, com destaque para o Afeganistão, que tem o grupo Taleban no poder desde 2021.
BRASIL. O relatório também alerta para a ocorrência de processos de autocratização, mesmo em democracias. Isso acontece quando os pilares democráticos de um país, como separação de poderes, liberdade de imprensa e alternância de poder, estão sendo corrompidos. Hoje, 42 países estão em declínio democrático, incluindo o Brasil. No ano passado, o número de países que passaram por esse processo foi de 33.
Foi o quarto ano consecutivo que o relatório alertou para a queda na qualidade da democracia no Brasil, apesar de o país ainda ser listado como uma “democracia fracassada” no estudo. Após quatro anos de mandato do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro, a pesquisa sinaliza que o governo Lula pode representar uma reversão desse processo de autocratização.
Daniel Gateno – Estadão Conteúdo