Uma semana após a contratação do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, o governo decidiu liberar cargos de segundo escalão para ganhar apoio nas votações do Congresso e barrar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos atos golpistas de 8 de janeiro. Lista beneficia União Brasil, partido de Juscelino, que terá diretorias dos Correios, do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs).
A União Brasil também assumirá as presidências da Telebrás e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), entre outros cargos estratégicos. As empresas e escritórios “lotados” estiveram envolvidos em escândalos de corrupção ao longo de vários governos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu sinal verde às indicações após ser alertado pelo prefeito Arthur Lira (PP-AL) de que a demora no encontro com os aliados poderia fazer com que o início de seu terceiro mandato começasse mal, com derrotas expressivas em Congresso.
Além do “pacote” para a União Brasil, o governo vai desbloquear, a partir desta semana, cargos prometidos para o MDB, que terá uma diretoria do Banco do Nordeste (BNB), um vice-presidente da Caixa e quatro secretários do Ministério das Cidades. A pasta já é comandada pelo partido, que também controla Transportes e Planejamento.
Até o momento, o Palácio do Planalto não passou no plenário do Congresso e, segundo Lira, terá dificuldades para aprovar projetos importantes na economia, como a nova âncora fiscal e a reforma tributária.
Para piorar, há uma queda de braço entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que não se entendem sobre o trâmite da tramitação das medidas provisórias. Onze MPs enviadas pelo governo ao Legislativo aguardam votação.
BASE
Não foi por acaso que Lula prendeu Juscelino – apesar das acusações que pesam contra ele, reveladas pelo Estadão – no mesmo dia em que o presidente da Câmara fez um duro diagnóstico sobre a articulação política do Planalto, em palestra na Associação Comercial de São Paulo. Ao falar sobre a expectativa de aprovação da reforma tributária, Lira disse que o governo não tem uma base consistente nem na Câmara nem no Senado.
Em jantar com o presidente, na última quinta-feira, Lira foi mais longe e disse que a situação caminhava para uma crise porque, na ponta do lápis, o Planalto não contava com o apoio de nem 200 deputados, de um total de 513. reclamou das críticas dirigidas ao Centrão pela presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR).
Gleisi declarou que a União Brasil não estava fazendo “entregas” ao governo, defendeu o afastamento de Juscelino e alertou que o Centrão não teria “portão fechado” no time de Lula. No jargão político, “porta fechada” significa dar autonomia a um mesmo partido para indicar todos os cargos da estrutura que comanda.
A conversa de Lira com o presidente aconteceu na casa do ministro da Comunicação Social, Paulo Pimenta, e contou com a presença do chefe de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, além de lideranças do governo.
IPC Misto
Lula planejava liberar os cargos somente após deputados e senadores retirarem as assinaturas que permitem a instalação da CPMI dos atos golpistas, mas decidiu acelerar o “loteamento”. Dos 59 deputados da União Brasil na Câmara, 28 assinaram o requerimento pedindo a abertura da comissão.
“Somos contra essa CPMI porque a extrema direita bolsonarista quer transformar o Congresso em cercadinho de fake news e dizer que houve infiltrados na tentativa de golpe”, disse o vice-líder do governo na Câmara, Rogério Correia (PT-MG ). “Estamos achando que o PT tem algo a esconder”, respondeu o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), da Frente Parlamentar Evangélica.
Para tirar o foco do Planalto, o governo instruiu aliados a apoiar outras CPIs, como a que pretende apurar denúncias de fraude de R$ 20 bilhões em contas da Americanas, propostas pelo líder do PP, deputado André Fufuca (MA ). O próprio Correia é autor de um pedido pedindo a investigação da entrada irregular de joias trazidas da Arábia Saudita para o então presidente Jair Bolsonaro e a primeira-dama Michelle.
Conforme mostrou o Estadão, o conjunto estava avaliado em R$ 16,5 milhões e seria um presente do regime saudita. Os aliados de Lula já conseguiram 87 assinaturas para a CPI das joias, mas precisam de 171. A CPMI dos atos golpistas tem o apoio de 189 deputados e 33 senadores.
Após o alerta de Lira, Lula disse aos ministros que quer ver as indicações no Diário Oficial a partir desta semana. A presidência da Telebrás ficará com Eurico de Jesus Teles Neto, patrocinado pela União Brasil, e a do Dnocs com Avante.
O comando da Codevasf, por sua vez, será mantido com Marcelo Moreira, indicado pelo líder do União Brasil na Câmara, Elmar Nascimento (BA). A festa terá ainda duas diretorias da Codevasf e outras da Sudene, Sudeco e Sudam. Atualmente, a União Brasil controla três ministérios (Comunicações, Turismo e Integração), mas mesmo assim diz que será independente, e não da base aliada do Planalto.
Por Vera Rosa – Estadão Conteúdo