O jornalista russo Kirill Martinov e o ativista de direitos humanos Pavel Andreiev defenderam uma posição mais firme do Brasil diante da guerra da Rússia na Ucrânia durante viagem ao país esta semana. Ambos vieram como representantes das organizações vencedoras do Prêmio Nobel da Paz de 2021 e 2022, respectivamente. Eles elogiaram a última votação do Brasil na ONU, que pedia a retirada das tropas de Vladimir Putin da Ucrânia, mas destacam que em outras ações o país precisa ser mais claro. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem defendendo um acordo de paz para acabar com a guerra e tenta atuar como mediador no conflito.
“O problema da posição do Brasil em relação ao conflito russo é que ainda não está claro. Acho que foi realmente um marco quando o Brasil se tornou o primeiro país dos BRICS a votar na Assembleia Geral das Nações Unidas condenando a agressão russa”, diz Kirill Martinov, ex-vice-chefe da Novaya Gazeta, o jornal independente mais antigo da Rússia. , em entrevista ao Estadão. “Essa votação foi muito importante, mas em muitas outras coisas falta clareza ao novo governo e até mesmo ao governo anterior sobre o que fazer com essa guerra.”
Martinov agora vive exilado na Letônia e continua a realizar seu trabalho como jornalista à distância. Trabalhou ao lado do editor-chefe da Novaya Gazeta, Dmitri Muratov, que em 2021 recebeu o Prêmio Nobel da Paz por “salvaguardar a liberdade de expressão”, junto com a filipina Maria Ressa. Entre as posições mais firmes que o jornalista acredita que o Brasil deveria ter está o apoio a uma corte internacional para investigar os acontecimentos da guerra.
A posição de neutralidade do Brasil diante da guerra – que é histórica para o Itamaraty – tem sido alvo de críticas de aliados ocidentais, além de diplomatas e ex-embaixadores brasileiros, que veem um ar de conivência com a agressão russa.
“Gosto da ideia da neutralidade do Brasil, mas acho que nenhum país que respeita os direitos humanos pode ser parceiro de quem quebra todas as regras nas relações internacionais”, explica Martinov.
No aniversário de um ano da invasão, o Brasil apoiou a resolução da ONU – da qual o Brasil participou de sua elaboração – que pedia a paz e a retirada das tropas russas. No entanto, o país é contra as sanções aplicadas a Moscou até agora e não apóia o envio de armas para a Ucrânia. Além disso, o comércio entre os dois países cresceu no ano passado.
“Acho que o mundo como um todo deveria demonstrar que uma guerra como esta não é aceitável e que todos os países deveriam respeitar os direitos humanos”, concorda Andreiev. “E acho muito importante o Brasil demonstrar que não é apenas uma questão europeia, mas um valor global”.
Andreiev representa o Conselho de Administração da ONG Memorial, que foi uma das ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz de 2022, prêmio que exibiu durante sua passagem pelo Brasil e outros países da América Latina. Ao contrário de Martinov, Andreyev ainda mora na Rússia e, temendo represálias ao retornar ao país, é cuidadoso com suas palavras.
Isto porque, desde o início da guerra na Ucrânia, o governo russo aprovou uma lei que permite prender quem partilhar “desinformação” sobre o que Moscovo chama de “operação especial”. O simples uso da palavra “guerra” pode levar a mais de dez anos de prisão no país.
Andreyev admite que tem medo de continuar seu trabalho pelos direitos humanos dentro da Rússia, apesar das inúmeras perseguições, sequestros e mortes de ativistas no país, mas ressalta que é importante que o trabalho seja feito.
“Acho muito importante continuar o trabalho, principalmente o trabalho das organizações de direitos humanos dentro do país, porque desde 24 de fevereiro do ano passado aumentou muito o número de pessoas que precisam de proteção e damos esse apoio às pessoas, pelo menos, dando-lhes a esperança de que alguém possa ajudá-los quando enfrentarem dificuldades.”
Trabalhando de fora da Rússia, o jornalista Martinov relata que sua maior dificuldade vai além de superar as barreiras da censura para fornecer informações aos russos, mas sim fazê-los acreditar que algo pode ser mudado a partir de agora.
“Tecnicamente, as pessoas conseguem chegar até nós usando diferentes fontes e canais para contornar a censura. Mas o problema é que as pessoas não entendem o que fazer com essa notícia, as pessoas se sentem sozinhas e acham que não podem mudar nada”, diz.
Muratov e Andreyev estiveram em Brasília e São Paulo esta semana para uma série de palestras moderadas pelo jornalista e analista político russo Konstantin Eggert, em eventos organizados pela Delegação da União Europeia no Brasil. A viagem começou no Uruguai, passando pela Argentina, Brasil e Chile.