Vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Senacon determinou que o Google sinalizasse este e outros conteúdos contrários à aprovação do PL 2630 ao usuário como publicidade – Foto: Arquivo Reuters/Hannah McKay
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) determinou que o Google cumpra imediatamente uma série de medidas cautelares para corrigir os indícios de que a empresa está censurando o debate público sobre o Projeto de Lei 2630/2020, o chamado PL das Fake News, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Segundo o secretário nacional de Defesa do Consumidor, Wadih Damous, as medidas são resultado de processo administrativo que a Secretaria de Defesa e Defesa do Consumidor da Senacon instaurou para apurar indícios de que a multinacional de tecnologia divulgou propaganda política irregular, de forma subliminar, em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor .
Segundo Damous, o principal indício de que a empresa vem agindo de forma irregular para promover seus próprios interesses econômicos é o fato de ter incluído, na página principal do buscador, ao lado da caixa de busca, um texto no qual afirmava que “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdadeiro ou falso no Brasil”. O link remetia o internauta a um artigo assinado pelo diretor de Relações Governamentais e Polícias Públicas do Google, Marcelo Lacerda, e foi retirado do ar logo após a Senacon anunciar as medidas que a empresa deve cumprir.
O Google removeu a publicidade criptografada e ilegal de sua página inicial. Esperamos que as plataformas desativem mecanismos de censura ou violação da liberdade de expressão com isonomia. E continuamos abertos ao diálogo. A LEI deve prevalecer sobre o western digital
— Flávio Dino 🇺🇸 (@FlavioDino) 2 de maio de 2023
Vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Senacon ordenou que o Google sinalizasse este e outros conteúdos contrários à aprovação do PL 2630 ao usuário como publicidade.
Como já deu ampla publicidade às críticas à proposta de regulamentação das plataformas digitais, a Google também terá de começar a veicular, no prazo de duas horas após ser notificada da decisão, posições favoráveis ao projeto de lei. Caso descumpra as determinações da Senacon, a empresa será multada em R$ 1 milhão por hora.
“Diante dos casos de propaganda enganosa e abusiva praticada, a obrigação de [da empresa] publicar, no prazo máximo de duas horas após a notificação, contra-publicidade destinada a informar devidamente os consumidores do interesse comercial da empresa relativamente à referida proposta legislativa”, declarou o secretário nacional ao detalhar as medidas, em conferência de imprensa, no início da tarde de hoje 2.
A Senacon também determinou que a empresa se abstenha de censurar, em comunidades e aplicativos, posições divergentes de seus interesses, bem como de favorecer posições convergentes. Além disso, deve relatar qualquer interferência no sistema de indexação de busca relacionada ao debate do PL 2630. “[Para verificar] a facilidade com que quem faz uma busca no PL 2630 é encaminhado para artigos e manifestações contrárias ao projeto, é só clicar aí [no mecanismo de busca]”, sustentou Damous.
“O que essas plataformas estão fazendo é colocar uma verdade única e absoluta diante de sua opinião sobre o PL 2063. E sabemos que existem opiniões contrárias que não estão aparecendo nessas publicações. Isso é inconstitucional”, acrescentou o secretário. “No que diz respeito aos consumidores, eles estão desrespeitando o Código de Defesa do Consumidor de diversas formas, principalmente com o abuso do poder econômico e a publicidade cifrada, abusiva e que emite opinião editorial.”
interesses econômicos
Durante a coletiva de imprensa, o ministro da Justiça, Flávio Dino, garantiu que, com a medida, o governo federal tenta evitar “a censura privada, clandestina e disfarçada”.
“Esse debate é bastante antigo e, portanto, não tem relação direta com o nosso governo”, disse Dino, lembrando que o PL tramita na Câmara dos Deputados desde 2020. “Mas todo mundo sabe que, depois de 8 de janeiro [quando o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal foram invadidos e depredados por vândalos e golpistas]o MJSP veio para formular ideias de como avançar com essa regulamentação – que é uma exigência da Constituição”.
“Depois, fomos orientados a respeitar o debate que já estava em curso na Câmara e que vinha ocorrendo dentro da normalidade. Até que, neste fim de semana, houve uma profusão de artigos [reportagens] em estudos que mostram uma tentativa de empresas com interesses econômicos próprios de censurar e manipular o debate por meio de ações atípicas. [Com isso] A Senacon se viu com dezenas, talvez centenas de indícios de que algumas empresas estariam manipulando seus próprios termos de uso para privilegiar o que lhes convém em detrimento de outras vozes. Isso é censura e é dever da Senacon garantir que ninguém manipule a liberdade de expressão no Brasil”, acrescentou Dino.
Entre os principais trabalhos acadêmicos citados por Dino está um relatório que o Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgou em abril. No documento, os pesquisadores apontam que empresas como Google, Meta (controladora do Facebook, Instagram e Whatsapp), Spotify e Brasil Paralelo vêm publicando anúncios contra o PL 2630 sem informar a seus usuários que se trata de conteúdo publicitário, dando a impressão de estar lidando com É um conteúdo objetivo e imparcial. Para os pesquisadores, a prática pode configurar abuso de poder econômico, já que impacta a opinião pública às vésperas da votação do projeto e, consequentemente, os parlamentares que decidirão sobre o tema.
“As plataformas estão usando todos os recursos possíveis para impedir a aprovação do PL 2630 porque o que está em jogo são os bilhões arrecadados com a publicidade digital que atualmente não possui regras, restrições ou obrigações de transparência, deixando anunciantes e consumidores vulneráveis aos custos de seus interesses”, advertem os pesquisadores no documento.
As conclusões dos pesquisadores respaldam um pedido de informações que o Ministério Público Federal de São Paulo (MPF~SP) enviou ontem ao Google. Na cópia do despacho a que a Agência Brasil teve acesso, o procurador-adjunto dos Direitos do Cidadão do Estado de São Paulo, Yuri Corrêa da Luz, sustenta que, se confirmadas, tais práticas “parecem estar fora do âmbito das condutas que sujeitam visados por propostas regulatórias podem adotar em um debate democrático”.
Para o advogado, “não se trata de uma participação pública e transparente numa discussão regulatória em curso, mas sim da utilização, pelas plataformas potencialmente afetadas, dos meios que controlam, com exclusividade, para promover, de forma opaca e escapando a qualquer responsabilização [responsabilização]a percepção que lhes interessa sobre um tema de inegável importância pública”.
aliança
Favorável ao que classifica como uma “regulação democrática” das plataformas digitais, a Coalizão Direitos na Rede, que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil, defende que o debate e a aprovação do PL é uma “oportunidade fundamental para [o Brasil] caminhar para um ambiente digital que proteja os cidadãos e assegure direitos.