SUS pode ser esperança para mulheres que sonham em ser mães

Segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRH), a infertilidade conjugal atinge cerca de 15% dos casais brasileiros – Foto: Imagens/TV Brasil
“É um sonho, a gente vive a realidade, mas o que a gente sonhou um dia!”, diz a advogada Renata Wenceslau Monteiro, sobre ser mãe da pequena Alice Catarina, de quase três anos. Depois de dois abortos espontâneos, que resultaram na retirada das duas trompas, ela disse ter perdido terreno, pois não conseguiria engravidar naturalmente. Ela até disse ao marido para procurar outra pessoa que pudesse lhe dar filhos.
Mas, o marido Rafael Ramos disse que queria ter filhos com ela. No entanto, o casal não tinha condições financeiras de pagar a fertilização in vitro (FIV), única técnica que ela poderia experimentar, já que o embrião é feito em laboratório e não precisa das trompas. Então, foram pesquisar para descobrir o caminho para engravidar através da saúde pública.
“Sabíamos que o SUS [Sistema Único de Saúde] fez o tratamento, mas a gente tinha muito pouca informação. No último aborto, meu médico havia me encaminhado para o hospital de referência, o Pérola Byington, para poder fazer essa fertilização, mas descobrimos que a carta dele não era suficiente”, disse Renata.
Foi então que se informaram, juntaram-se a grupos nas redes sociais e encontraram o caminho. “Tem que passar pelo sistema interno, que se chama sistema Cross, [a Central de Regulação de Oferta de Serviços de Saúde]. Foi aí que nosso sonho começou a se tornar realidade.”
Até que tudo desse certo, ela não quis contar para muita gente, para não criar expectativas.
“Mas quando consegui engravidar, comecei a conversar para poder levar informações para as pessoas, não é a toa que muita gente vem até mim querendo saber como é o ingresso”.
Ela resume: “Você vai ao centro de regulação da AMA [Atendimento Médico Ambulatorial), vão te inserir no cadastro do sistema Cross [Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde] e lá está ele na fila.”
No caso dela, a entrada foi rápida. “Não esperei dias na fila, fiz todo o procedimento na mesma semana, a resposta veio direto do hospital, recebi um e-mail para ir à consulta no dia 30 de abril de 2019. Não vou esquecer essa data .”
doadora de óvulos
Na primeira consulta, Renata foi informada sobre a possibilidade de ser doadora de óvulos, pois desde muito jovem – na época ela tinha 24 anos – poderia ajudar outras mulheres a engravidar, como pacientes oncológicas e de maior idade idade. “Naquele dia aceitei ser doador. E quando o médico soube que meu fator de sangue é B negativo, ele disse que tinha receptor B negativo e não tinha doador no hospital. Fiquei muito feliz em poder ajudar alguém, além de receber ajuda.”
De maio a outubro de 2019, ela foi examinada e tratada para uma infecção. Assim que ela terminou esta fase, ela foi capaz de iniciar a estimulação ovariana. [tratamento farmacológico para desenvolver os folículos ovarianos até torná-los maduros]. Isso resultou em hiperestimulação e 26 ovos foram coletados de Renata. Destes, 15 ovos estavam maduros. “Fiquei com oito e doei sete, que ficaram com o receptor. Espero que ela tenha conseguido engravidar tanto quanto eu.
Renata esperou dois ciclos de menstruação para poder fazer a transferência embrionária e deu certo na primeira tentativa. “Fiz meu primeiro ultrassom com seis semanas. Tinha um embriãozinho no lugar dele, ali mesmo, com o coração já batendo”, lembra.
A gravidez foi tranquila, conta Renata. “Tive dois sangramentos no começo, mas fora isso tudo bem. Dia 16 de julho de 2020 nasceu a Catarina, linda, perfeita, maravilhosa. Foi quando nossa jornada para a maternidade começou!
Opção
Além de ser uma opção para casais como Renata e Rafael, a reprodução assistida pode ser um meio para pessoas que optam pela produção independente, pessoas com doenças que causaram (ou podem causar) infertilidade, como câncer, para casais homossexuais ou casais inférteis.
Segundo a Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRH), a infertilidade conjugal atinge cerca de 15% dos casais brasileiros em idade reprodutiva, o que representa cerca de 20 milhões de indivíduos ou 10 milhões de casais. Atualmente, cerca de 10% dos ciclos de reprodução assistida são realizados por casais do mesmo sexo, informou a SBRH.
Cada tentativa de engravidar por técnicas de reprodução assistida custa entre R$ 5 mil e R$ 30 mil, explica o presidente da associação, Paulo Gallo de Sá, ginecologista e especialista em reprodução humana. “O custo do tratamento específico dependerá do tipo de tratamento de reprodução assistida e da qualidade do centro de reprodução.”
A inseminação intrauterina (IIU) custa em média R$ 5 mil, incluindo medicamentos. A técnica consiste na inseminação e introdução no útero de sêmen preparado em laboratório, com o objetivo de obter a gravidez. Desta forma, a inseminação aproxima o(s) óvulo(s) do espermatozoide para que a fertilização ocorra naturalmente na trompa de Falópio.
Fertilização
A fertilização in vitro (FIV) privada pode custar em média R$ 30 mil, incluindo medicamentos. A FIV é um tratamento que consiste em realizar a fertilização do óvulo com o espermatozoide em ambiente de laboratório, formando embriões que serão cultivados, selecionados e transferidos para o útero.
Alguns serviços oferecem uma variante do processo, chamada mini-FIV, que custa em média menos da metade: R$ 14 mil, com medicamentos. “São tratamentos de baixo custo, com menor dose de medicamento, buscando um menor número de óvulos e evitando o congelamento dos embriões excedentes”, diz o ginecologista.
Quem não tem condições de pagar esses valores pode tentar pela rede pública de saúde em um dos postos de atendimento credenciados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Desde 2012, uma portaria do Ministério da Saúde destina recursos financeiros aos estabelecimentos de saúde que realizam procedimentos assistenciais de reprodução humana assistida, no âmbito do SUS, incluindo fertilização in vitro e/ou injeção intracitoplasmática de espermatozoides.
“O Brasil tem pouquíssimos centros de reprodução humana assistida que realizam técnicas de alta complexidade (fertilização in vitro)”, segundo Paulo Gallo de Sá, que aprova os serviços. “Todos os dez centros são considerados referência e atendem às condições de segurança e qualidade exigidas pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]ele disse.
A embriologista Vanessa Rodrigues Alves concorda com Gallo de Sá quanto ao número de centros no país. “Poucos centros de criação são totalmente gratuitos. Acho que falta apoio do governo para ser um pouco mais barato [a FIV] mesmo no particular, ou seja, tem outras formas do governo ajudar, não só pagando 100% pelo tratamento. Preços mais baratos dos medicamentos e equipamentos que usamos na fertilização poderiam tornar a reprodução humana um pouco mais popular e ter um número maior de clínicas no Brasil”.
Especialista em reprodução humana, Vanessa trabalhou por oito anos no Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Ele detalha como entrar no hospital. “A paciente tem que passar por um ginecologista da AMA, que vai colocá-la no sistema Cross do governo do estado, que faz essa triagem para dar entrada no hospital e conseguir a reprodução humana assistida. A ligação demora um pouco, mas não é uma fila de anos como antigamente”, explica.
Para o especialista, a reprodução humana assistida vem crescendo e precisa ser mais valorizada. “Muitas pacientes sofrem de doenças que as impedem de engravidar, a infertilidade é um tipo de doença reconhecida, deveria ser um tratamento obrigatório. Temos o direito de formar uma família”, opina.
A especialista destaca ainda que o sonho de engravidar vai além da infertilidade. “Temos casais homoafetivos femininos, por exemplo, que precisam de sêmen de banco, que não é barato, casais homoafetivos masculinos que precisam de uma barriga solidária e vão precisar de óvulos doados para poder engravidar”.
Centros de Reprodução Humana Assistida
Os Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs) estão em sete capitais do país, sendo quatro em São Paulo: Hospital Pérola Byington, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – USP (na capital e em Ribeirão Preto) e Hospital São Paulo da Universidade de São Paulo (Unifesp).
Há também dois centros em Porto Alegre: Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Hospital Fêmina, um centro em Brasília, Hospital Materno Infantil de Brasília; em Belo Horizonte, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Em Goiânia, o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás e um em Natal, a Maternidade Escola Januário Cicco da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Desses centros, apenas quatro oferecem atendimento totalmente gratuito: Maternidade Escola Januário Cicco, Hospital Pérola Byington, Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo – USP e Hospital Materno Infantil de Brasília. Nos demais, o paciente precisa pagar os medicamentos a um custo médio de R$ 5 mil.
Em nota enviada à Agência Brasil, o Ministério da Saúde informou que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece acompanhamento integral para planejamento familiar na atenção básica, incluindo consultas, exames, entre outros procedimentos; e reprodução assistida em estabelecimentos de saúde habilitados em procedimentos de reprodução humana assistida.
“Ampliar o acesso da mulher aos serviços, bem como garantir um acompanhamento de qualidade no SUS é prioridade do Ministério da Saúde”, destacou a pasta, mas informou que não tem o número de famílias que aguardam reprodução assistida no SUS.
Segundo relatório disponibilizado pela Anvisa, o SisEmbrio. Em todo o país, existem 181 Centros de Reprodução Humana Assistida (CRHAs) e apenas dez oferecem tratamento pelo SUS. A maioria dos polos está na Região Sudeste, com 60 deles concentrados no estado de São Paulo.
Dados do SisEmbrio também mostram que, no ano passado, a taxa de fertilização das pacientes com menos de 35 anos foi de 76,68%, com 1.363 gestações clínicas e nas pacientes com mais de 35 anos, a taxa de fertilização foi de 79,63%, com 2.023 gestações clínicas.
O SisEmbrio inclui dados sobre congelamento de embriões para pesquisa, fertilização in vitro, taxas de gravidez clínica, congelamento de gametas, transferências de embriões e informações sobre taxas e indicadores de qualidade.
Caminho
Quem está na cidade de São Paulo, como Renata Wenceslau, deve primeiro se dirigir a uma das 470 unidades básicas de saúde (UBSs) que são a porta de entrada da linha de cuidado voltada para a saúde da mulher na capital paulista, incluindo o acompanhamento -up para casais que têm dificuldade em conceber.
Nas UBSs da cidade são realizados exames médicos e ginecológicos para investigação de possíveis distúrbios menstruais e infecciosos, que possam indicar a causa da infertilidade, assim como a análise de espermatozoides para os homens. Além disso, são realizadas orientações sobre os momentos mais propícios para uma gravidez, tanto no aspecto físico e psicológico, quanto no aspecto socioeconômico.
Após análise dos exames, o paciente é inserido na Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross) para acompanhamento na rede especializada, da Secretaria de Estado da Saúde (SES) de São Paulo.
De acordo com a SES, as consultas são feitas pela Atenção Primária à Saúde por meio da Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (Cross), seguindo o protocolo estabelecido, que é ter 37 anos, 11 meses e 30 dias e diagnóstico prévio de infertilidade. . Assim que o paciente é atendido, são solicitados os exames necessários e indicado o tratamento adequado.
A SES informou que não tem o número de pacientes aguardando atendimento nos centros de reprodução assistida. “As filas estão descentralizadas, estamos trabalhando para unificá-las”, informou a assessoria de imprensa da pasta.
Ter esperança
Para quem está na fila esperando uma chance de engravidar pelo SUS, Renata aconselha a não desistir. “Tudo tem um tempo certo para acontecer, pode parecer muito clichê, ouvi essa frase várias vezes quando estava tentando engravidar. Mas, vale a pena esperar, realmente se você não tem condições de fazer um tratamento na rede privada, aguarde. E se você pode ser doador, dependendo da idade, vale a pena procurar os ambulatórios”.
O caminho não foi fácil, lembra ela. “Os dias da indução foram nove dias intermináveis, foi a pior parte pra mim, além das dores físicas que eu sentia, eu tinha medo, muito medo, quem lida com infertilidade sabe, a gente tem muito medo”.
Depois dessa luta, ela agora comemora a vida da filha. “Ser mãe tem os seus bónus e custos, não romantizo a maternidade, mas é mesmo mágico, adoro ser mãe da Catarina.”