Antonio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho, foi premiado com mais uma obra — Foto: Casa Fiat de Cultura/Divulgação
O Centro de Conservação e Restauro de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG) atribuiu mais uma imagem sacra ao escultor, arquiteto e entalhador Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, renomado artista do barroco brasileiro.
A cabeça de São Francisco Penitente – um santo de vestir, uma representação sagrada que era usada em procissões – foi devolvida à Paróquia de São Caetano, em Cipotânea, interior de Minas Gerais, em abril. “Não temos dúvidas sobre essa atribuição”, afirma Alessandra Rosado, professora do Departamento de Artes Visuais da EBA/UFRJ e atual diretora do Cecor, à Agência Brasil. Ela esclareceu, porém, que o Cecor não emite certificados de autenticidade, mas confirma a autoria das peças com base em múltiplos exames realizados pela equipe da agência.
Produzida em madeira policromada, a imagem de São Francisco Penitente foi enviada ao centro de restauro e conservação, em 2016, junto com outras 23 obras, dentro do Projeto Extramuros, financiado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). O projeto foi viabilizado por meio de convênio firmado entre o MPMG, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), a UFMG e a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), com o repasse de recursos provenientes de medida compensatória obtida com a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta com mineradora.
Todas as obras já foram devolvidas às suas paróquias como de autores desconhecidos, mas apenas a de São Francisco Penitente foi reconhecida. A imagem tem 1,27 metros de altura e pesa aproximadamente 16 quilos (kg).
A primeira imagem cuja autoria foi confirmada pelo Cecor como sendo de Aleijadinho foi a de Nossa Senhora da Piedade, da cidade mineira de Felixlândia, há mais de dez anos. A de São Francisco Penitente é a segunda que teve a imagem confirmada como sendo de Aleijadinho.
Estudos
Alessandra Rosado explicou que, por ser uma imagem para vestir, é constituída por vários blocos e, por isso, não tem uma estrutura artisticamente esculpida. Os estudos referentes à atribuição a Aleijadinho foram feitos na cabeça da escultura.
“Porque as mãos e os pés não são do Aleijadinho”. Para comprovar a atribuição ao escultor barroco, foi realizado um estudo interdisciplinar, envolvendo profissionais da área da história, conservadores e restauradores e cientistas da conservação. Todas as análises documentais encontradas sobre a peça, história, contexto da obra e período em que foi realizada, além da atuação de Aleijadinho na região, confirmaram a autoria.
Os elementos foram alinhados a análises físico-químicas, identificação da madeira, radiografias. “Essas radiografias são importantes porque, por se tratar de uma imagem que estava sendo repintada, dificultou a confirmação de sua autoria”.
Foi então feita uma análise mais apurada dos estilos do artista, que são detalhes ou marcas do escultor como, por exemplo, a forma como faz as mechas do cabelo, o lacrimal dos olhos, o sulco nasolabial, o formato do queixo. , a barba, as orelhas.
“São estilos que, no caso do Aleijadinho, são bem conhecidos, mas a repintura dificultou a leitura”.
A pintura foi removida, mas uma repolicromia permaneceu. Ou seja, como o cravo original se perdeu com o tempo e, em um período muito antigo, foi feito um novo cravo, ou repolicromia, informou o diretor do Cecor. Em cima do cravo, havia outras repinturas que foram retiradas. As radiografias permitiram visualizar mais detalhes para fins de comparação com outras obras de Aleijadinho. Também foram feitas análises das tintas utilizadas, se eram compatíveis com o período analisado, a forma de utilizá-las.
“Tudo isso é trabalhado em conjunto com todos os membros da equipe. Isso facilita um melhor entendimento da obra e, também, a conclusão de que se trata de uma obra de Aleijadinho.”
função devocional
A professora destacou que a imagem de São Francisco Penitente é interessante, pois há 40 anos deixou de cumprir sua função devocional e foi mantida na matriz. Foi Marcos Paulo Miranda, procurador mineiro e pesquisador do Aleijadinho, quem viu a imagem e achou que poderia ser uma escultura do Aleijadinho. Ele incluiu o trabalho de restauração junto com os outros. O documento do Cecor conclui que a imagem foi produzida por Aleijadinho entre 1790 e 1792, na região do Rio Espera, localizada a 13 quilômetros de Cipotânea.
Segundo Alessandra, o retorno demorou porque a peça entrou no Projeto Extramuros como obra sem autoria e, com todos os estudos, foi constatada a autoria de Aleijadinho.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em parceria com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), achou melhor esperar até que houvesse maior segurança para o retorno da obra à sede. A professora lembrou que os estudos ficaram paralisados por dois anos da pandemia de covid-19. Em seguida, foram retomadas as negociações para a avaliação da obra e algumas adaptações do espaço da igreja onde a imagem retornou.
Rumores de que algumas das imagens da Freguesia de São Caetano poderiam ser de Aleijadinho surgiram no início do distrito de São Caetano do Xopotó, elevado à categoria de freguesia em 1857, e que receberia o nome de Cipotânea em 1938.
IPHAN
Em nota enviada à Agência Brasil, o Iphan reconheceu que o Centro de Conservação e Restauro de Bens Culturais (Cecor) da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realizou um “rigoroso trabalho técnico-científico e interdisciplinar identificar a autoria do rosto da imagem como sendo Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho”.
Segundo o Iphan, a obra exigiu um estudo completo da materialidade da escultura, que abrangeu desde uma análise iconográfica e das características formais da peça até análises físico-químicas, radiografias, análise botânica da madeira, além de importantes pesquisa sobre a presença do Aleijadinho na região de Cipotânea ou Rio Espera.
“Assim, o IPHAN entende que a atribuição de autoria de bens culturais produzidos em períodos remotos, especialmente anteriores ao século XIX, é uma tarefa complexa e requer um estudo minucioso e a aplicação de diversas técnicas e métodos e, portanto, não cabe a a autarquia, neste momento, confirma ou refuta a autoria da obra, reconhecida pelo Cecor, e sim reforça seu apoio e parceria na execução dos trabalhos.”